TÍTULO
Lendas do Mação
AUTOR
José Carlos Rodrigues
REVISÃO
João de Matos Filipe (Historiador)
FOTOGRAFIA
As fotografias sem identificação da autoria são do Autor.
CAPA
Do autor
EDITOR
DG Edições
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
VASP DPS
DATA
Outubro de 2020
DEPÓSITO LEGAL
473793/20
ISBN
978-989-54908-0-6
Neste livro, o autor e o editor não respeitam o chamado acordo ortográfico de 1990.
AGRADECIMENTO
a João de Matos Filipe,
a José Carlos Gueifão,
a Rui Santos (Gady)
e a Rui Vaz
pela inapreciável ajuda prestada.
À memória de
MARIA JOSÉ PALMEIRA,
a minha saudosa AVÓ ZÉ,
e a todas as outras avós
que também acreditavam em bruxas
e nos deixaram este tão rico legado
APRESENTAÇÃO
José Carlos Rodrigues, meu conterrâneo e amigo, convidou-
-me para escrever algumas palavras de Apresentação neste
seu novo livro Lendas do Mação. Convite que é uma honra,
que agradeço e ao qual aqui estou tentando corresponder.
Santo António, recuperador do perdido, me valha e me ajude
a encontrar as palavras limpas, simples, agradáveis, justas
e adequadas.
A apresentação do livro, a meu ver e no essencial, está feita.
O índice e as excelentes 4 páginas da Introdução esclarecem e
apresentam o assunto – Lendas do Mação –, apresentam a motivação,
os objectivos e o contexto em que o livro foi feito.
Lendas do Mação, nas suas mais de 80 maravilhosas histórias
do fantástico, é um livro honesto, sendo de notar o
cuidado do autor, colocando após cada lenda o registo das
fontes. E tem belas ilustrações, feitas por homens e mulheres
da nossa terra.
A capa, muito feliz e sugestiva, é uma preciosidade com a
foto do monte de São Gens e a branca capelinha, lá no alto,
roçando o azul de céu e a prender o olhar.
Feliz, também, a ideia de começar o capítulo “Lendas Cristãs”
com lendas de São Gens.
Muito do maravilhoso da lenda nasce do sentir, da espiritualidade,
vivência e realidade histórica.
No concelho de Mação, a devoção ao lendário e milagreiro
São Gens é profunda e muito antiga.
Anualmente, na festa de São Gens, em procissão, a imagem
do Santo, no seu andor, sai da igreja da aldeia dos Santos e
sobe o monte até à sua ermida. Na missa campal, celebrada
no terreiro e num cenário deslumbrante, a ermida é um
pontinho e catedral se torna, tendo por cúpula o céu.
Gentes vindas de longe, em particular das aldeias vizinhas,
Casas da Ribeira, Caratão, Castelo, Pereiro… enchem o ter10
reiro, rezam e fazem pedidos ao Santo que, além de outros
milagres, “tira o fastio”.
Uma última nota sobre São Gens: nos inquéritos mandados
fazer pelo Marquês de Pombal, após o terramoto de 1755,
escreveu Pedro Rodriguez Metello, vigário de Mação:
“14.º - Vem romagens ao Senhor Jesus da Misericordia e a
Sam Gens de varias partes pello descurso do anno porque
sam as Imagens mais milagrosas que tem Esta freguesia.”
“26.º - Na occasiam do Terremotto se mudaram as paredes
da Ermida de Sam Gens dos seus alicerces e ficou ameassando
ruinha, e a Capella Mor da Matriz desta Villa abrio
por varias partes, e tudo se conserva no mesmo Estado.”
E falemos do autor, com uma prévia declaração de interesses:
sou amigo de José Carlos Rodrigues e sou admirador do seu
talento, qualidades, vida e obra.
Li este seu livro com o interesse e a muita atenção que presto
a tudo o que à nossa amada terra e gentes diz respeito e,
francamente, gostei.
Na expectativa de que Lendas do Mação dê igual prazer aos
nossos amigos e conterrâneos, e porque amar nossas raízes,
portadoras de futuro, é preciso, recomendo a sua leitura a
todos aqueles que amam nossa história e estórias, nossas
lendas e crendices, nossos usos e costumes, nosso ser e estar.
Nossa FÉ.
O texto da contracapa regista o mais relevante da vida do
Autor. Num estilo contido e sem floreados, fazendo lembrar
Manuel da Fonseca, ou Torga, em síntese, diz-nos quem ele
é, quem foi e o que fez. Um homem que teve uma vida profissional
cheia e intensa.
Em complemento, apenas mais algumas poucas palavras.
José Carlos Rodrigues é um jovem bem-humorado com
apenas 90 anos.
Homem de muitos instrumentos e “hobbies”, culto, activo,
curioso e lúcido, diz, rindo, estar convencido de que ultrapassará
os 100 anos.
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Existem bons motivos para que tal aconteça. Um deles é que
tem agendada para 2030 a renovação do Cartão do Contribuinte,
acto a que, diz ele, não pode faltar.
É um bom cozinheiro que se diverte preparando deliciosas
ementas.
É grande animador da “Confraria dos Cágados”, de que fazem
parte antigos funcionários bancários, seus colegas agora na
reforma. As regulares confraternizações, onde muito riem,
são miraculosos tónicos contra o envelhecimento.
Sobre os “Cágados”, José Carlos Rodrigues escreveu um interessante
livro com inesquecíveis e alegres memórias que
tiram do sério o mais sisudo dos leitores.
Os aplausos, com que ainda hoje o mimam, fazem-lhe um
extraordinário bem às “iscas”.
Finalmente, diz ele que, se Rita da Silva Rodrigues, sua prima,
faleceu em 2016 com mais de 107 anos, também ele lá
poderá chegar.
E digo eu: Espero estar cá, para ver! Rafael Gueifão, meu
primo, faleceu em 2018 com 109 anos.
E depois desta minha alegre e sorridente divagação (rir é
coisa séria), haverá algum leitor que não sinta vontade de,
pelo menos, espreitar as LENDAS DO MAÇÃO, da autoria
do nosso jovem macróbio?
Parabéns, José Carlos Rodrigues. Parabéns pelo livro. E
parabéns pelo aniversário!
E que me perdoe Santo António, mas:
Quem não ler LENDAS DO MAÇÃO é batata!
Mação, 25 de agosto de 2020.
José Carlos Gueifão
P.S.
Parabéns Mação!
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INTRODUÇÃO
Eu adorava a minha avó materna, MARIA JOSÉ PALMEIRA, a AVÓ ZÉ, e considerava-a a mais sábia da família.
Ficou sozinha muito cedo. Poucos anos após o casamento, o meu avô Raimundo, pôs uma saca ao ombro e rumou a Angola, em direcção à Província de Huila onde veio a fazer fortuna e, quando entendeu, chamou várias vezes para junto de si a sua mulher e as suas duas filhas.
Mas a Avó Zé, dizia a minha mãe, sempre lhe respondia com apenas duas palavras:
– Nem morta!
E, como era de rija fibra, mulher de antes quebrar que torcer, bastou-se sempre a si própria, governando a sua vida e a das suas filhas com maestria e sem necessidade de homem.
Para mim, na minha ingenuidade juvenil, esta avó sabia tudo.
Sobre a arte de cultivar a terra não tinha segredos, desde as árvores de grande porte até às mais finas sementeiras.
Era um gosto vê-la, a comandar com determinação e voz forte, da courela de cima na Fonte do Forno, os homens que contratava para lhe tratarem a terra.
Dirigia igualmente com grande capacidade a sua pequena indústria têxtil, dois teares de madeira que eram operados pelas suas duas filhas, minha tia Antónia e minha mãe Tomásia.
E conhecia imensas histórias, que me contava ao serão quando eu ainda era mocinho de tenra idade.
Numa noite de tempestade, teria eu os meus 8 anos de idade, o vento forte, provocando lá fora enorme desordem ruidosa, levou a minha avó a acalmar-me, sussurrando:
— Não tenhas medo, que elas não fazem mal a meninos. São as velhacas que andam por aí, de foice em punho, a caçar as velhas inúteis.
Na altura, de tão assustado que estava, eu nem perguntei quem eram essas “velhacas”, mas logo no dia seguinte me disseram que se tratava das bruxas do Mação, caçadoras de velhas já sem préstimo.
Nunca esqueci as “velhacas” e, mais tarde, quando me tornei leitor compulsivo em bibliotecas de Lisboa, sempre que podia, vasculhava temas relacionados com bruxas e feitiços.
Então, fiquei a saber que estas pequenas narrativas da tradição popular, as lendas, que têm exercido no povo um fascínio especial ao longo dos tempos, tiveram sempre uma origem individual, isto é, alguém que descreve um episódio, normalmente misterioso, a que tenha assistido ou em que tenha participado activamente e que se perpetua no tempo.
Habitualmente alegóricas e localizadas em pessoas, épocas e locais determinados, as lendas, ao terem sido levadas por trovadores e caminheiros de povo em povo, de terra em terra, iam colhendo pelo caminho novos elementos, mas em regra não perdiam a sua essência; a lenda vale pelo tema e não pela forma como é contada.
Além de constituírem uma agradável e ingénua actividade de entretenimento à volta das aconchegantes lareiras, estas histórias, as que concluíam com o triunfo de valores positivos, eram também usadas como ferramenta de educação, de um eficaz sentido pedagógico, quando contadas aos mais jovens.
Também no Mação as lendas, as crendices e outros mistérios da natureza constituíam a conversa preferida contada ao serão pelos mais velhos nas longas noites de Inverno ou nos “centros sociais masculinos”, mais conhecidos por tabernas, que antigamente existiam em todas a localidades. Era ali que os homens se reuniam à tardinha, depois da estafa do dia, para beberem um copo e “actualizarem a conversa” que, muitas vezes, consistia em relatos sinistros de bruxas e lobisomens.
Estes hábitos – as conversas em casa ou na taberna, muito disseminadas ainda há pouco tempo no mundo rural – remontam a séculos antes de Cristo, no tempo das religiões primitivas ligadas à Natureza, onde a liturgia do feiticeiro desempenhava um papel relevante.
E isto porque o povo, na altura pouco ou nada instruído, quando ouvia, por exemplo, um ruido estranho no negrume da noite, punha-se a pensar de imediato em coisas tenebrosas do “outro mundo” e não raro recorria ao bruxo para tentar compreender aqueles factos que se encontravam envoltos em trevas.
Mação, terra isolada no interior da floresta, não fugiu à regra e assim foram aqui criadas as mais variadas histórias de crenças e bruxarias, que eram motivo de conversa em família, nas noites frias de Inverno, ou nos tais centros sociais que, em Mação, já nos nossos dias, aconteciam nas tabernas do Ti’Carloto, na Rua Pina Falcão, do Ti’Vicente, nas traseiras da Igreja Matriz ou ainda do Ti’Alexandre, na Rua da Videira, isto, para referir apenas as do Centro Histórico da Vila.
Na minha adolescência tive ainda, a respeito destas narrações fantásticas, uma outra fonte.
Como me encontrava, nalgumas tardinhas das minhas férias de Verão, com o Dr. João Calado Rodrigues, no Café do Sr. Inácio, que ficava na Rua da Amieira ao lado da Casa do médico, Dr. Jaime, tive o privilégio de lhe ouvir muitas referências às lendas das mouras encantadas do Mação. Mouras que teriam vivido em grutas que ele, com outros arqueólogos, explorava para recuperar objectos pré-históricos, que haveriam de explicar muito do que tinha sido a vida de antanho na nossa região e rechear aquele que, mais tarde, viria a ser o importante Museu de Arte Pré-Histórica e do Sagrado do Vale do Tejo.
Recentemente, umas três dezenas de lendas da nossa região foram motivo de pinturas de alunos da Escola de Artes Plásticas de Mação, obras que foram apresentadas em Outubro de 2019, na EXPOSIÇÃO “Histórias e Lendas de Mação”.
Mas, além destas obras, ainda se encontram, hoje, muitos desses contos fantásticos disseminados pelos mais variados locais: em monografias, em teses, em jornais, em exposições, em sites, em blogues.
Então, motivado pelas obras expostas naquela Exposição, entendi que seria de interesse reunir todas essas narrativas de tradição popular, para não se perder a memória de tão considerável cultura rural maçaense.
E assim, aqui fica, neste inocente livrinho, esse contributo, que me foi possível coligir, sempre estimulado pela lembrança daquela… negra noite de tempestade em que, lá fora, as “velhacas”, de longas foices em punho, tentavam desesperadamente ceifar as velhas sem préstimo, acabando com elas”.
JCR, Mação 2020