LENDAS CRISTÃS
A S. Gens não lhe pega o fogo
Há muitos anos atrás, muitos mesmo, um violento incêndio queimou tudo nas terras de Santos e do Caratão, mas poupou o topo do monte que fica entre ambas as povoações e em frente do Monte de S. Mateus, deixando-o verdejante.
Quando os aldeões se dirigiram ao cume do monte para verificarem o facto estranho, encontraram, sob uma lapinha dos penhascos, uma imagem de S. Gens, também ela incólume.
Logo ali concluíram que se tratava de um milagre do Santo, que fez com que aquela parte do monte não tivesse ardido.
A notícia correu célere junto dos povos de Santos, Caratão e Castelo, que resolveram trazer S. Gens em procissão até à Capela de S. Mateus, mas, no dia seguinte, deram pela falta da imagem. Ela tinha desaparecido misteriosamente.
Procuraram-na nos locais possíveis e foram descobri-la no alto do monte, na mesma lapinha onde a tinham encontrado na véspera.
Voltaram a trazê-la para a Capela de S. Mateus mas mais uma vez ela desapareceu e voltou de novo a ser encontrada lá no alto.
O caso repetiu-se nos dias seguintes; o resultado foi sempre o mesmo.
Assim, os aldeões concluíram que o Santo desejava permanecer no topo do monte e decidiram construir ali uma capela para lhe prestar devoção. Começaram de imediato a reunir os materiais para a construção, mas era-lhes muito penoso transportar, de longe, a água necessária à obra e então pediram o patrocínio do Santo para os livrar de tão grande dificuldade.
As suas preces foram ouvidas pois S Gens logo fez brotar, na encosta, uma copiosa nascente de água pura que, correndo pelos vales, resultou numa nova e abundante ribeira.
Mas, de imediato, a posse da água começou a gerar discórdia, porque todas as povoações vizinhas tentavam desviar o curso da ribeira, para benefício dos seus terrenos.
benze os pães que as aldeãs lhe levam, para que toda a família tenha sempre apetite e não lhe falte a comida ao longo do ano.
Antigamente a festa realizava-se no dia 11, mas agora celebra-se no primeiro sábado seguinte para facilitar a presença de muitos maçaenses que ganham a vida longe do Concelho.
A imagem do Santo está guardada cá em baixo na Capela da Aldeia e é levada em procissão, naquele dia, até à Capela de S. Gens, subindo os devotos uns bons 400 metros quase a pique por um estradão de pedritas soltas.
FONTES:
A Cadeira de S. Gens
Quem foi S. Gens?
Há quem assegure que se trata de um Santo de origem celta, martirizado em Arles, no Sul de França, quando das perseguições de 303 a 305 dC, no tempo do Imperador Diocleciano.
Os espanhóis também consideram que ele foi martirizado, mas em Córdoba, e os portugueses, que o têm como um dos primeiros Bispos de Lisboa, crêem que ele pertenceu à Ordem de S. Paulo Eremita.
A introdução do culto deste Santo em Portugal é atribuída à rainha D. Mafalda de Sabóia, mulher de D. Afonso Henriques, que mandou construir a Igreja de S. Gens em Boelhe (Penafiel).
Além da nossa Aldeia de Santos, S. Gens é venerado ainda em Serpa, Redondo, Loriga, Quintanilha, Quadrazais, Montelongo-Fafe, Bogado-Trofa, S. João da Ribeira-Santarém, Pontével, Pavia, Barrancos e, muito especialmente em Lisboa, na Capela de Nossa Senhora do Monte, onde existe uma cadeira de pedra, denominada “cadeira de S. Gens”.
Era nesta cadeira que o Bispo de Lisboa costumava sentar-se e onde teria sido martirizado, ainda no tempo do Império Romano.
Existe ainda hoje uma curiosa crença segundo a qual uma mulher grávida, que queira assegurar um parto bem-sucedido, deve sentar-se na Cadeira de S. Gens.
A própria mulher de D. João V, D. Maria Ana de Áustria, foi lá sentar-se quando estava grávida do herdeiro do trono.
Nos nossos dias, a crença ainda existe bem viva, não só em Lisboa mas também em Serpa, na capelinha de S. Gens, onde as futuras mães-crentes vão prometer ao Santo uma “fitinha” de seda para conseguirem ter um bom parto.
Assim, S. Gens, continua ainda hoje a proteger as parturientes que o procuram, além de ser considerado também o protector das artes cénicas.
FONTES:
Santo António foi à lenha
Um certo dia, a mãe de Santo António que, na altura, morava nas terras de Mação, numa aldeia à beira do Rio Tejo, pediu ao seu filho que fosse buscar lenha para acender a lareira.
Então, Santo António dirigiu-se à barca que fazia o transporte entre as margens do rio e foi ao lado de lá procurar lenha.
Só muito longe encontrou uns cavacos de jeito e, quando chegou ao cais, por ser muito tarde, já lá não estava o barqueiro.
Muito apoquentado, Santo António ergueu o rosto para o Céu e, depois de ter rezado, pediu ao Menino Jesus da sua especial devoção, que o ajudasse.
Imediatamente o Menino Jesus lhe apareceu, dizendo:
— Não estejas em cuidados. Estás a ver o feixe de lenha que apanhaste?
Deita-o à água, senta-te nele e eu serei o barqueiro que te levará à outra margem do rio.
Santo António assim fez; colocou o feixe na água e sentou-se nele com o Menino Jesus ao colo.
Pouco depois chegava são e salvo à outra margem e sorrindo despediu-se de Jesus que, feliz e com muita luz e amor, voltou ao Céu.
Pode, assim, dizer-se que esta é a forma como Matilde Costa, da Escola de Pintura de Mação, descreve e ilustra esta Lenda, também conhecida em Mação por “Milagre de Santo António".
FONTES:
Cheiro a rosas
As gentes de S. José das Matas asseguram que por ali passava um caminho romano que nascia na Emérita Augusta (hoje a cidade de Mérida, em Espanha), vinha pelo Alto Alentejo, atravessava o Rio Tejo na Amieira e passava depois por Oliveirinha, S. José das Matas, Envendos, Vale da Mua, Freixoeiro, Cardigos, Ponte dos Três Concelhos, Serra da Longra, Sertã, Pedrógão Pequeno e Pedrógão Grande, em direção a Conimbriga.
Dizem ainda que a Rainha Santa percorria parte desse caminho sempre que se deslocava a Estremoz e que, depois da sua morte nesta cidade, em 1336, foi percorrido pelo seu cortejo fúnebre até Coimbra.
E é do foro popular que à passagem do cortejo por S. José das Matas ele ia deixando nas ruas um muito agradável odor a rosas.
Por outro lado, diz Isilda Dias, que é igualmente da crença popular que a Rainha Santa ao atravessar o Tejo junto ao pego da Barca da Amieira pedia auxílio a S. José e que este, em seu lugar, lhe enviava o Menino Jesus para que ela atravessasse o Rio em segurança.
E que se deve a isso o facto de nunca ter havido naufrágios ou outros desastres naquele local.
FONTE
- EXPOSIÇÃO “Histórias e Lendas de Mação” - Rozy Gonçalves e Isilda Dias.
Nossa Senhora da Moita
Um pastor, que guardava o seu rebanho na Serra da Galega no Carvoeiro, num local conhecido por Vale do Mouro, diz a lenda, encontrou uma pequena imagem no meio de umas moitas ali existentes.
Pegou na imagem, que parecia uma Santa, e guardou-a num dos bolsos do casaco com a intenção de a oferecer à sua filha. Chegado a casa, todo contente com a surpresa que ia fazer à menina, procurou no bolso a imagem e como não a encontrasse resolveu voltar pelo mesmo caminho para ver se a achava.
Quando chegou ao local onde de início a encontrara ficou pasmado, pois aquela mesma imagem encontrava-se precisamente na mesma moita.
Voltou a colocá-la no bolso, mas sucedeu o mesmo nesse dia e também nos seguintes; a imagem desaparecia e voltava sempre ao mesmo local, na moita.
É claro que o povo começou a comentar, considerando que se tratava de um milagre e as certezas aumentaram quando, após um grande incêndio, tudo ardeu em volta da moita onde estava a imagem, mas o mato manteve-se ali verde e viçoso.
Então não houve mais dúvidas, tratava-se de um milagre e, portanto, o povo resolveu construir uma capela naquele lugar para acomodar a imagem à qual deram o nome de Nossa Senhora da Moita.
E assim todos ficaram protegidos contra os futuros fogos e se dotou o Concelho de Mação de mais uma singela e bonita peça de património religioso.
FONTE:
- EXPOSIÇÃO “Histórias e Lendas de Mação” - Edgar Freitas
Aparição no Penhascoso
Na EXPOSIÇÃO “Histórias e Lendas de Mação”, que esteve patente ao público em 2019, Maria José Marques apresentou um quadro a óleo alusivo à aparição de Nossa Senhora, no Penhascoso.
Acreditam os mais antigos que, em 26 de Julho de 1936, três rapazes dali – de apelidos Alexandre, Canas e Tomás – quando brincavam com uma roda de bicicleta no caminho de cabras existente na base da Cabeça Gorda foram surpreendidos pela aparição de Nossa Senhora e logo correram à povoação para contar o sucedido e dizerem da exaltação que sentiram com essa visão.
O caso suscitou muitas dúvidas e opiniões controversas, mas as pessoas mais crentes fundamentavam-se no facto das crianças terem sido testadas em separado e as informações dos três coincidirem em absoluto.
Na altura, uma das crianças foi afastada da perturbação pública que entretanto ocorria, pois os seus pais receavam pela ostracização do filho, tal como ocorrera com Lúcia, Jacinta e Francisco, quando das aparições de Fátima, 17 anos antes.
Entretanto, a controvérsia abrandou e acabou por cair no esquecimento e os dois outros rapazes continuaram a brincar no mesmo local.
Na década de 90, o assunto volta de novo a ser discutido publicamente e, então, o povo decidiu construir no local um pequeno nicho, de muita simplicidade, mas de grande significado religioso, em louvor de Nossa Senhora das Dores.
Esse nicho fica na base da Cabeça Gorda, precisamente onde os rapazes brincavam, e pode ser visto logo à saída do Penhascoso por quem segue, por estrada, em direção a Mação.
FONTES:
- EXPOSIÇÃO “Histórias e Lendas de Mação” - Maria José Marques.
- À DESCOBERTA DA FREGUESIA DE PENHASCOSO, 2005, Dora Marques Vitória, pág. 61
Santo António do Freixoeirinho
Contam Elvira de Jesus e Maria Adelina, ambas de Cardigos, que, há muitos anos, na aldeia do Freixoeirinho, vivia uma família com duas filhas que ajudavam nos trabalhos da horta e levavam as ovelhas a pastar na serra.
Certo dia, andavam as meninas na pastorícia, quando encontraram, deitado numa moita, um Menino muito bonito e com ele brincaram toda a manhã e ficaram muito amigos.
Quando chegaram a casa, as pastorinhas disseram à mãe que tinham encontrado um Menino, que brincaram com ele, mas que não sabiam quem era e porque estava ali abandonado.
Então a mãe, preocupada, foi à serra tentar encontrar a criança, mas por muito que procurasse não encontrou ninguém.
Mas uns dias depois, as pastorinhas voltaram a encontrar o Menino deitado na mesma moita e, inquietas, correram a avisar a mãe, que chegou rapidamente ao local, mas voltou a não ver ninguém em lado nenhum.
Passado algum tempo o Menino disse-lhes, finalmente, quem era: nada mais, nada menos, do que Santo António, ainda jovem, que, muito contente, e como sinal da sua amizade por elas lhes deixou uma oração para lhe dedicarem, com toda a devoção, quando perdessem alguma coisa.
— Se repetirem três vezes essa oração sem se enganarem certamente encontrarão o que procuram, mas se cometerem algum erro – disse o Menino – não as poderei ajudar.
Eis a oração:
Ó Beato Santo António,
a graça que Deus te deu.
Foste perdido e achado,
em Lisboa foste nado
e em Roma coroado.
O cordão que tangeste
Nossa Senhora o encontrou.
Nossa Senhora lhe perguntou:
— Onde vais Santo António?
— Eu, Senhora, convosco vou!
— Vós comigo não ireis
por essas terras ficareis
quantas coisas acharás
aos seus donos as tornarás.
E nisto, não voltaram mais a ver o Menino.
No local onde as meninas guardavam as suas ovelhas, foi mais tarde construída uma Capela em homenagem à passagem do Santo por estas paragens e a Serra do Freixoeirinho passou a ser conhecida como Serra de Santo António.
FONTE
- Elvira de Jesus e Maria Adelina, ambas do Freixoeirinho e utentes da Misericórdia de Cardigos.
O cão negro
Houve em tempos remotos em Mação uma senhora dotada de muita riqueza, mas falha de caridade e espírito cristão. Nunca se lembrava dos pobres para os socorrer nas suas misérias.
Esta senhora tinha uma criada, a quem dizia depois das refeições da família:
— Come o que quiseres e o que sobejar de ti deita-o aos porcos.
No entanto, a criada, que sentia de forma diferente, entregava o que sobrava aos pobres, aqueles de que ela dizia: “coitados, nunca comem nada que lhes alegre o coração”.
Mas a senhora, que nem uma sede de água mataria nunca a um pobre, por tudo lhe parecer pouco para ela, repreendia sempre esta sua criada:
— Não quero que dês aos pobres aquilo de que necessito para engordar os que me hão-de encher a salgadeira. Eu como carne dos meus cevados e não como carne dos pobres!
A criada lá ia cumprindo, constrangida, as ordens da patroa, mas às ocultas dela e sempre que podia, repartia pelos necessitados algumas sobras das refeições.
Entretanto, a patroa morreu e a criada, quando, como habitualmente, ia tratar dos porcos, deparava-se com um cão negro comendo com eles na mesma pia e, com os olhos chorosos, olhava insistentemente para ela.
Bem o quis afastar, mas o cão gania, gania, e recusava-se a sair dali e ela, com dó do animal, deixava-o ficar a comer.
A cena repetia-se e era tal a insistência com que o Cão Negro a mirava, parecendo chorar, que um dia, enchendo-se de coragem, disse ao cão:
— Se és uma alma do outro Mundo diz o que queres, mas se és o Demónio eu t’arrenego em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo:
Então, o Cão Negro respondeu-lhe:
— Eu sou a alma a tua patroa que, por não ter caridade para com os pobres, fui condenada por Deus a não entrar no Céu, enquanto não comesse tantas vezes, junto com estes animais, quantas te proibi de consolares os pobres desgraçados. E só entrarei mais cedo no Céu se tu orares a Deus e lhe ofereceres as tuas boas obras em meu favor, resgatando assim os meus pecados.
A criada assim fez e daí por diante nunca mais o Cão Negro lhe apareceu. Fora ouvida por Deus nas suas súplicas, salvando assim a sua patroa.
FONTE:
- Francisco Serrano, Elementos Históricos e Etnográficos de Mação, pág. 153.
É Grão-Senhor
Nossa Senhora, com o Menino Jesus ao colo, teve de caminhar longas distâncias e de pernoitar em muitas aldeias, durante a sua fuga para o Egipto.
Isso deu lugar à criação de muitas lendas que se contam por este Portugal fora e também em Mação.
Ora, Nossa Senhora quando teve de atravessar as terras de Mação vinha com os soldados de Herodes na peugada e, por não ter, em determinada altura, uma alternativa para escapar aos esbirros, mete a burrinha por um tremoçal que, por estar seco, produziu um enorme barulho à sua passagem.
Nem valeram de nada as súplicas de Nossa Senhora, a denúncia estava ali.
Então, muito zangada, a Virgem sentenciou o tremoçal:
– Tanto arramalhais que nunca fartais!
É por isso que uma pessoa pode comer os tremoços que quiser, com casca ou sem ela, que nunca se sentirá farto.
E conta ainda a tradição lendária que, logo a seguir, os soldados de Herodes se chegaram a Nossa Senhora, que continuava com o Menino embrulhado contra o seu peito, e perguntaram-lhe o que é que levava ali, ao que Ela respondeu sem mentir:
– É Grão-Senhor !
– Ah… é grão? Pois deixem lá passar esta pobre mulher...
FONTE
São Marcos do Rosmaninhal
Antigamente, proprietários de bichos — cabras, ovelhas, porcos, muares, bois — na zona do Rosmaninhal, não tendo desde sempre quem lhes valesse nos acidentes e doenças da fauna, invocavam a protecção de São Marcos, para que o Santo lhes garantisse o bem-estar dos animais.
Tudo corria pelo melhor e assim, alguns proprietários agradecidos resolveram adquirir uma imagem do Santo e instalá-la numa capela em sua honra.
Um desses proprietários decidiu contribuir oferecendo o trabalho de juntar e acarretar toda a pedra necessária à construção do pequeno templo.
Arrancou a pedra suficiente e, quando vinha de regresso, a junta de bois estacou no caminho, junto de um enorme pedregulho e, por mais que o homem incentivasse os animais com gritos e toques de vara, eles dali não arredavam.
Como a tremenda teima não passasse aos bois, o homem, embora com grande esforço, dispôs-se a levantar a pedra e, qual não foi o seu espanto, quando viu que debaixo dela se encontrava uma imagem de São Marcos.
Então, resolveram todos que seria ali que se deveria construir a Capela, local que mais tarde veio a ser povoado, dando lugar à Aldeia do Rosmaninhal.
Quando o gado acabou por aquelas bandas, naturalmente as bênçãos dos animais também acabaram, mas a veneração a S. Marcos continua bem viva, agora num outro sentido, no da protecção de crianças.
Todos os garotos teimosos e velhaquitos são levados à presença de S. Marcos e, assim, são curados das maleitas de que sofrem.
FONTE:
- César di Ambaca, HISTÓRIAS E LENDAS DE CÁ, Pág. 57
A história da costureirinha
Há já muitos anos que em Cardigos, tal como em muitas outras regiões do País, as pessoas contam a história da costureirinha.
Dizem que, quando em casa se estava em sossego, em especial à noite, se ouvia perfeitamente uma máquina de costura a trabalhar em ritmo acelerado, parecendo que isso se passava no quarto ao lado.
Por vezes, era tão nítido o que se ouvia, que se podia mesmo reconhecer o som do pedal da máquina, do pousar da tesoura e do cortar da linha.
Mas o que era isto? De onde vinha este som?
Conta-se que uma certa costureira de Cardigos adoeceu gravemente e, com o intuito de poder recuperar a sua saúde, prometeu a Nossa Senhora que doaria a sua máquina de costura, caso melhorasse.
Porem, assim que melhorou da doença esqueceu-se do prometido e não deu a máquina de costura a ninguém.
Então, Nossa Senhora deu-lhe como castigo continuar a costurar, de casa-em-casa até ao fim do mundo, para assim se redimir por não ter cumprido a promessa.
FONTE:
- Cândida Fouto, Celestina Mateus e Celeste Martins, todas utentes do Lar da Misericórdia de Cardigos.
A madrasta malvada
Em tempos recuados, vivia em Mação o pai de dois meninos, que casou segunda vez com uma senhora de maus instintos e de má catadura a qual tinha a fama de exercer bruxaria.
Esta mulher de índole perversa, para fazer jus à sua maldade, dava maus-tratos aos dois meninos, seus entea- dos e, depois do pai ter morrido, ainda passou a tratá-los pior.
Um dia disse-lhes:
— Vou sair e só volto amanhã. Aqui vos deixo um pão para vocês comerem, mas quando voltar, se não me apresentarem o pão inteiro, dou cabo de vocês com pancada!
Os meninos passaram o resto daquele dia e também a noite sem nada comerem, mas, no dia seguinte, como a fome apertava lembraram-se da recomendação que a sua mãe lhes fizera à hora da morte:
— Quando algum dia estiverem em aflição invoquem a protecção da Virgem, dizendo “valha-nos a Virgem Maria Nossa Senhora nesta aflição!”.
Foi o que de imediato fizeram e, palavras não eram ditas, logo ali Nossa Senhora lhes apareceu, recomendando-lhes que abrissem um orifício no pão e retirassem todo o miolo, que poderiam comer, tapando em seguida o buraco com o pedaço de côdea que haviam tirado. O pão ficaria assim com aparência de inteiro, mas só com côdea.
Assim fizeram e quando a madrasta regressou não teve motivo para os maltratar, visto que o pão estava intacto.
Então por ter ficado frustrada, a perversa concebeu nova crueldade:
— Meninos, vão ao campo buscar lenha para aquecer o forno do pão, mas a lenha não a quero nem seca nem verde, nem torta nem direita. Se não a trouxerem nestas condições, ponho-vos a arder dentro do forno.
Mais uma vez se lembraram da recomendação de sua mãe e invocaram a protecção da Virgem, que logo lhes apareceu, dizendo:
— A lenha que ela quer é a da figueira, que não é seca nem verde, nem torta nem direita. Ide buscá-la e, quando ela vos mandar saltar para cima da pá para vos aquecer, digam-lhe que se ponha ela primeiro, porque é mais velha, e chamem por mim.
Assim fizeram e quando a madrasta já estava em cima da pá, disseram os meninos:
— Ó Senhora, acuda cá, que a velha já está na pá!
Nesse momento, a Virgem apareceu e voltando-se para a velha fez o sinal da cruz e, como esta era realmente uma bruxa e tinha em si o espírito diabólico, deu um tremendo estouro e entrou para dentro do forno, de onde só foram retiradas as suas cinzas.
Os meninos ficaram finalmente em sossego e, com a ajuda de Deus, cresceram saudáveis e sempre como bons cidadãos.
FONTE: Francisco Serrano “Elementos Históricos e Etnográficos de Mação” pág. 154
O Rei e o Ferrador
Havia numa terra um ferreiro que estava quase sempre a trabalhar, desde manhã cedo até alto-serão, e morava perto do palácio do Rei.
A lenda não identifica nem o ferreiro nem a terra onde este operava. Presume-se, no entanto, que se tratava de alguém de Mação mas com oficina próxima do palácio real, pois esta narrativa pertence a uma série de lendas cristãs do livro “Elementos Históricos e Etnográficos de Mação” de Francisco Serrano.
Ora, este ferrador incomodava grandemente toda a gente do Palácio com o constante tilintar dos martelos na bigorna, pelo que, em determinado dia, foi chamado ao Rei que lhe disse:
— Porque é que trabalhas tanto, ferrador? Deixa-te de tantas canseiras, que eu te ajudarei a viver. Trabalha só de dia que, para quebrares o corpo, já é suficiente.
Ao que o ferreiro respondeu:
— Senhor, todos temos obrigação de nos resignarmos com a sorte que Deus nos dá. Sou muito pobre e como tenho a meu cargo o sustento de mulher e de uma ranchada de filhos que Deus me deu, tenho de trabalhar muito.
O Rei ouviu com atenção e disse-lhe que fosse para casa que em breve lhe faria um benefício para que deixasse de trabalhar tanto.
No dia seguinte, o Rei mandou fazer um grande bolo todo recheado de moedas de ouro e mandou-o de presente ao ferreiro.
Vendo o bolo com tão boa aparência e não reparando nas moedas de ouro, o ferreiro disse à mulher que o Rei lhe mandava fraca ajuda e que o bolo, apesar de ser grande e formoso, mal chegaria para dar a cada um dos filhos uma fatia que os fartasse e, por isso, iria oferecer o bolo ao seu compadre, que era pessoa rica. Que o apreciaria muito e talvez lhes mandasse, em reconhecimento, um alqueire de pão que, sem dúvida, mataria melhor a fome aos seus filhos do que o bolo.
A mulher aprovou a ideia e o bolo lá foi parar às mãos do rico compadre que, ao encetá-lo, encontrou os dobrões de ouro e, agradecido, deu ao pobre ferreiro um saco de pão, com o que este ficou muito feliz e continuou a trabalhar como dantes, de dia e de noite.
Então o Rei pensou:
— O ferreiro achou pouco o que lhe dei; por isso continua a trabalhar. Mas agora vou dar-lhe uma grande quantia de dinheiro e veremos se, depois, ele ainda terá vontade de mexer nos martelos…
Porém, o ferreiro não chegou a receber esta segunda remessa de dinheiro porque morreu naquele dia e, na sua mortalha, foi encontrado o seguinte escrito:
Este homem nasceu p’ra pobre
P’ra pobre é que eu o criei
Se queres que seja rico,
ressuscita-o tu, ó Rei!
FONTE:
- Elementos Históricos e Etnográficos de Mação de Francisco Serrano, pág. 160
As “Alminhas” de Casas da Ribeira
Por testemunho oral recolhido junto de habitantes da Aldeia de Casas da Ribeira, o nicho que se encontra na Rua da Fonte Velha foi mandado fazer pela zeladora da Igreja da Senhora dos Aflitos, Maria da Luz, na década de 70 do Século XX.
O pequeno monumento foi erigido por intenção das almas de dois irmãos, Agostinho e José Maria, filhos do Ti’ Manuel Galo, que morreram de doença grave aos 50 anos de idade.
O nicho contém, no seu interior, um crucifixo e as três figuras da Sagrada Família, em cerâmica.
Diz-se na Aldeia que, após a sua morte, os dois irmãos apareciam àqueles que tinham sido seus amigos, pedindo-lhes que fizessem um nicho por intenção das suas almas, o que Maria da Luz, na altura, zeladora da Igreja do Senhor dos Aflitos, decidiu fazer.
Hoje, a manutenção do nicho é assegurada, de forma dedicada, por Maria do Rosário Lobo que entrega as ofertas em dinheiro à Igreja local, com vista à realização de missas pelas almas dos falecidos irmãos.
FONTE
- O JORNALINHO CASAS DA RIBEIRA 0150 0150 – MAÇÃO http://www.areopago.com.pt N.º 9 • Abril de 2008, pág. 5
Portela da Cruz dos Fieis de Deus
Uma mulher do Mação, que se levantara para amassar o pão para a família, um pouco depois da meia-noite – hora que o povo muito respeita e tem por fatídica – foi, por acaso, à janela de sua casa e ficou surpreendida e deslumbrada com o que viu: uma enorme multidão de crianças vestidas de branco, parecendo anjinhos, seguindo em procissão à volta da Igreja Matriz e entoando maviosos cânticos de louvor a Deus.
A mulher, encantada com tal suavidade, saiu à rua e deixou-se ir, insensivelmente, atrás da procissão, que saiu de Mação para a estrada dos Envendos, até que, depois de ter caminhado bastante, reparou que se achava junto à Ponte do PaiaFome.
Quando aí chegou já a multidão de anjinhos tinha passado para a outra margem da ribeira, mas havia crianças que se tinham atrasado na marcha, pois caminhavam mais vagarosamente.
Então a mulher perguntou-lhes porque é que não acompanhavam as demais que já seguiam pela encosta, ao que elas responderam:
— Não podemos caminhar tão depressa como aqueles nossos companheiros porque as nossas mães, quando nos amortalharam, se esqueceram de atar os nastros dos nossos mantéus que levámos para a cova; por isso estes nos embaraçam a marcha.
A mulher, ao ouvir esta resposta, ficou assustada mas logo compreendeu que se tratava de uma procissão de almas do outro Mundo e, em grande aflição, exclamou: — Valha-me Nossa Senhora da Conceição!
Nesse mesmo momento apareceu-lhe a Virgem Maria que a sossegou, dizendo-lhe:
— Nada temas, volta para tua casa e louva a Deus. Estas criancinhas andam pelo Mundo a rogar ao Santíssimo pelos homens ímpios. Agora, a procissão ao chegar além à Portela, desfaz-se e vai juntar-se de novo noutra Freguesia a rogar a Deus pelos homens. Nenhum ser vivente pode assistir a estas marchas solenes mas a ti concedeu-te Deus a mercê de assistires para ires dizer ao Mundo que faça penitência para redenção das almas.
No mesmo instante a Virgem e todos os anjinhos desapareceram da vista da mulher que, no dia seguinte, contou a toda a gente aquilo que presenciara.
Passado algum tempo, o povo de Mação colocou uma cruz no local em que a procissão desaparecera e pôs ao sítio o nome de Portela da Cruz dos Fieis de Deus.
Segundo reza a tradição, quando pelo rolar dos anos a cruz se inutilizava, era substituída por outra idêntica, por mãos invisíveis.
A Portela da Cruz dos Fieis de Deus fica logo a seguir à ribeira do PaiaFome, com vistas para o Vale do Maxial.
FONTES:
- ELEMENTOS HISTÓRICOS E ETNOGRÁFICOS DO CONCELHO DE MAÇÃO, Francisco Serrano, pág. 161
- MEMÓRIAS DAS PONTES, Teresa Aparício, pág. 99
Senhor dos Passos do Carvoeiro
Em tempos recuados, alguns habitantes do Carvoeiro foram à Amieira assistir à Procissão do Senhor dos Passos e ficaram admirados com a grandiosidade da cerimónia, a par da religiosidade demonstrada pelos fiéis.
Então, logo ali, decidiram realizar uma procissão idêntica na sua Freguesia, mas havia uma dificuldade: não tinham dinheiro para mandar fazer a figura principal do acto, precisamente, a imagem de Cristo com a cruz.
Então pensaram contractar alguém que aceitasse representar a imagem do Senhor e, desde logo, apareceu um estranho de uma aldeia próxima, que se prestou a fazer esse papel.
No dia da procissão, vestiram o homem a rigor e puseram-no no andor com a cruz às costas. O percurso iniciou-se e tudo corria pelo melhor, até que rebentou uma tremenda trovoada com enormes bátegas de água, o que obrigou todos os acompanhantes a refugiarem-se por onde podiam. O andor ficou, portanto, abandonado sob fortes bátegas de água e o simulado Senhor dos Passos, não querendo manifestar a falsa situação, manteve-se firme e hirto no seu posto, conservando um rigoroso incógnito do disfarce.
Passada a tempestade, a procissão pôde prosseguir e, depois de ter terminado, já na Sacristia, o pobre e encharcado actor, arrependido por ter aceite tal desempenho, exclamava indignado:
— Mais vale ser Diabo no Inferno, que Senhor dos Passos no Carvoeiro!
FONTE:
- MONOGRAFIA DO CONCELHO DE MAÇÃO, António de Oliveira Matos, pág. 176
João Soldado enganou o Diabo
Diz-se em Cardigos, que um dos mais azougados filhos desta Freguesia de Mação, conhecido por João Soldado, serviu o seu Rei durante 24 anos, tendo participado nas mais incríveis guerras e aventuras e sempre demonstrando enorme valentia.
Como as guerras tivessem acabado o Rei mandou-o correr Mundo, dando-lhe um pão e quatro vinténs.
A dada altura o João Soldado encontrou-se com Nossa Senhora que lhe pediu para ajudar os pobres, sempre que pudesse.
João Soldado assim fez e, quando o pão se acabou, Nossa Senhora ofereceu-lhe um grande bornal e disse-lhe:
— Quando te vires atrapalhado e com fome pede chouriço, pão e o mais que te apetecer, que tudo irás encontrar dentro desse bornal.
Entretanto, João foi viver para uma casa assombrada, onde ninguém queria morar e, numa noite, ouviu uma voz que vinha do corredor:
— Vem cá, João Soldado, que quero dar-te um tesouro.
João, quando chegou ao corredor, ficou espantado ao ver um esqueleto que lhe oferecia uma enxada para ele cavar num certo sítio, pois ali estavam enterradas três talhas: uma de ouro, outra de prata e ainda uma outra de cobre.
— A de ouro é para ti, a de prata guardas para as tuas despesas e a de cobre dás aos pobres – disse o esqueleto.
O João, nada contente com a ideia da enxada, retorquiu:
— Olha lá, eu servi o Rei durante 24 anos e nunca cavei, agora tu mandas-me cavar? Cava tu, se quiseres!
Então, o esqueleto fez-se ao trabalho, cavou, cavou e retirou do buraco as três talhas de que tinha falado.
João ficou rico e também muito contente por poder distribuir mais alguma coisa pelos pobres e, sem medo, nunca mais saiu dessa casa que, dizia ele, era uma casa ensombrada mas no bom sentido.
Num dia, estando a descansar no seu quintal, apareceu-lhe, de repente, o Diabo, que o vinha buscar para o Inferno.
Não ficou nada assustado e, por entre dentes, balbuciou:
— Só me faltava este!
E perguntou ao Diabo se ele gostava de figos.
O Diabo disse que sim e, estando debaixo da figueira que o João Soldado tinha no quintal, logo se pôs a devorar, o mais que podia, os deliciosos frutos.
Aproveitando a distracção do Diabo, o João foi a casa buscar o bornal que Nossa Senhora lhe tinha dado e meteu o Mafarrico lá dentro, com ele ainda a mastigar figos com a boca cheia.
Depois, pôs o bornal a jeito e deu-lhe tantas com uma marreta de ferro que o Diabo chegou ao Inferno todo ferido.
Assustado e receoso de que o temível soldado pudesse, nalgum dia, repetir a façanha, mandou chamar pedreiros, carpinteiros e outos profissionais de construção para taparem todos os buracos e mesmo pequenos orifícios existentes no Inferno, para que o João Soldado nunca lá pudesse entrar.
E, assim foi. O Diabo pôde continuar a viver malvado, mas descansado, para todo o sempre.
FONTE:
Este é o resumo de uma insólita história sobre as aventuras do João Soldado contada por Nemori Formiga, Casais de S. Bento de Cardigos, utente do Lar da Misericórdia de Cardigos