LENDAS DE BRUXAS E LOBISOMENS
As bruxas de Degolados
Diz-se que uma moça de Degolados, povoação perto do Carvoeiro, ajudava o seu pai, resineiro, a tratar das bicas do pez e, num certo dia, despachou o serviço mais cedo e foi para casa.
O pai, quando mais tarde chegou, não viu a filha, porque ela ainda não tinha chegado. Então foi procurá-la ao Carvoeiro, acompanhado pela sua mulher, mas ali disseram-lhe que a filha já se tinha metido ao caminho.
Chegados a casa, já a filha lá estava e perguntaram-lhe o que é que se tinha passado?
A filha, ainda muito nervosa, disse que, depois de ter saído do pé do pai na resinagem, chegou ao Carvoeiro, passou pela Feira dos Burros e aí viu uma luz e, ao pé dessa luz, três mulheres a esfolarem um sapo. Ficou tão cheia de medo, que logo quis sair dali e uma das mulheres, que era sua vizinha, veio logo para o pé dela e disse:
— “Não tenhas medo qu’a gente não te faz mal, não tenhas medo qu’eu vou-te levar”.
Ia sempre uma luz à frente delas e a vizinha, sempre a seu lado, exclamou ameaçadora:
—“Tu nunca podes descobrir a gente, senão a gente acaba contigo”.
Quando a seguir pai e mãe apareceram, imediatamente a luz e a vizinha desapareceram para não mais serem vistas.
A cachopa passou toda a noite a tremer e nunca foi capaz de contar mais nada do que se tinha passado e só se lhe ouvia dizer:
— Duas ainda cá estão, conheço-as bem, e a outra foi para o Brasil, a que era minha vizinha.
FONTES:
Degolados, porquê?
No Concelho de Mação, das 120 aldeias que ainda subsistem com alguma vida, existe uma, com 20 residentes em duas ruas, que dá pelo nome extravagante de “Degolados”. E o que é mais decepcionante é que ninguém sabe ao certo quem é “responsável” por este intrigante topónimo e porque é que foi dado este insólito nome a tão simpática aldeia.
Uns dizem que tem a ver com o padroeiro do Carvoeiro, São João Baptista, que baptizava os crentes no Rio Jordão e que, segundo a Bíblia, foi decapitado por Herodes.
Outros asseguram que se deve, provavelmente, a uma fatídica guerra travada entre cadastrados que viviam em homiziados existentes nos arredores do Carvoeiro e que ali deixaram, depois de infernal peleja, inúmeras cabeças degoladas.
Em meados do Século XV, el-rei D. Afonso V criou na Beira-Baixa Sul quatro dezenas de Coutos de Homiziados com a finalidade de estabelecer habitantes nesta região do país, que se encontrava fortemente despovoada.
Os Coutos de Homiziados, que haviam sido criados por D. Dinis, constituíam-se por “generosidade régia” como meio de povoamento e como recompensa de serviços prestados ou com a intenção de libertar das penas em que tivessem incorrido quaisquer criminosos, salvo os incriminados por traição ou heresia. Essas terras passavam a dispor de imunidade perante os impostos e a justiça.
Assim, em certos Coutos residia gente pouco ou nada recomendável que fazia parte de sociedades tenebrosas de tendências belicistas, que criavam frequentes contendas entre si.
Portanto, ter-se-ia atribuído o topónimo de “Degolados” a esta aldeia, por ter sido teatro de algumas daquelas batalhas mais sangrentas entre Coutos e pelo facto de terem ficado, no local, muitos dos contendores decapitados.
Mas os naturais desta aldeia não são os únicos a quem foi dado em Portugal esta singular designação. Há, pelo menos, uma outra aldeia com este mesmo nome, concretamente, a Freguesia de Degolados do Concelho de Campo Maior.
FONTE:
- História e Geografia by aldeiadesantos on Novembro 27, 2017
- ALDEIA DOS DEGOLADOS – RETALHOS DE UMA “HISTÓRIA SILENCIOSA” Júlio Alves, Envendos, 2008
- LOPES, Francisco José e outro – Degolados : elementos para a sua história.
A Portela das bruxas
Muito próximo da aldeia de Santos, entre os montes de S. Gens e de S. Mateus, num local para onde actualmente confluem seis estradões, existe um terreiro conhecido por Portela das Bruxas.
Segundo relatos que vêm de longe, em noites de Lua cheia, reuniam-se ali as bruxas do Caratão, dos Santos, do Pereiro, do Castelo e das Casas da Ribeira.
As primeiras a chegar logo começavam a colocar pedrinhas, no espaço central do terreiro, formando um grande círculo. Depois colocavam, no seu interior, diversos objectos a que elas atribuíam virtudes mágicas: um prato com azeite, diversas figas incluindo uma ferradura de burro, algumas moedas para benzeduras, uma caldeira de cobre cheia de água, daquelas que as mulheres das aldeias utilizavam para amassar farinha para cozer o pão, algumas flores, ramos de plantas aromáticas a que não faltava a arruda fedorenta e, em vez de velas de cera, colocavam lanternas de azeite acesas.
A “festa” começava com uma dança convulsiva em redor do círculo de pedrinhas em que todas as bruxas presentes, num coro cavernoso, cantavam em arrepiante toada satânica os seus maléficos propósitos.
Terminada a dança, a bruxa mais velha mandava aquecer a água da caldeira e, quando ela fervia, as outras iam deitando as plantas na água, o que inundava todo o terreiro de um denso nevoeiro. Então, neste ambiente satânico, as bruxas, todas elas, lançavam os seus agoiros fantasmagó
ricos, enquanto se contorciam em grande tormento.
As danças e demais manifestações macabras terminavam antes do nascer do Sol e tudo que tinha sido montado era desfeito para não atrair suspeitas.
Assim, quando o Sol rompia e as gentes da aldeia despertavam para iniciar o seu trabalho diário todo o terreno se encontrava limpo com o seu aspecto habitual.
FONTES:
- EXPOSIÇÃO “Histórias e Lendas de Mação”, 2019 - Teresa Paula Silva.
- HISTÓRIA E GEOGRAFIA, Aldeia de Santos, Júlio Alves, Envendos, 2017 https://aldeiadesantos.wordpress.com/
- MOURA, José Carlos Duarte - Histórias e Superstições na Beira Baixa Castelo Branco, RVJ editores, 2008 , p.27
O Lobisomem das sextas-feiras
Dizia-se em Vale da Mua que um pobre homem amaldiçoado de lobisomem, se levantava da cama à meia-noite de todas as sextas-feiras de Lua-cheia e, já na rua, ao pisar a pegada de um animal, transformava-se nesse mesmo animal.
Este homem queria muito quebrar a sua sina, mas para isso era necessário que alguém, que estivesse instalado num lugar a que ele não pudesse chegar, lhe espetasse um ferrão e o fizesse sangrar.
E foi isso que aconteceu numa certa noite em que se tinha transformado numa mula e em que lhe estava destinado percorrer sete povoações acasteladas, onde deveria lançar os seus feitiços.
Ao passar por debaixo de uma alta janela, onde alguém o esperava para o espetar com um longo ferrão, ficou profundamente golpeado, derramando grande quantidade de sangue.
Então quebrou-se a sina e o lobisomem nunca mais foi visto.
Lucinda Pereira, de S. José das Matas, fixou na tela esta lenda, localizando-a na sua terra natal, a Aldeia do Vale da Mua, que foi o local onde a ouvia contar.
A pintura mostra-nos, numa noite inspiradora de medos, uma parte da sua aldeia. Ao fundo, a casa que a viu nascer e crescer, de onde parte, numa alta janela, o longo ferrão que, naquela noite fatídica de sexta-feira, haveria de acabar com o lobisomem.
FONTE
- EXPOSIÇÃO “Histórias e Lendas de Mação”, 2019, Lucinda Pereira
Magnetismo
Teresa Paula Silva, apresentou na EXPOSIÇÃO “Histórias e Lendas de Mação” um quadro que representa uma estranha figura humana esculpida na rocha.
Com esta pintura pretendeu ilustrar a lenda a que deu o nome de “Magnetismo” e que descreve de uma forma muito convincente.
Reza a lenda que havia um casal de namorados que, para não serem vistos, se refugiavam à beira da Ribeira de Eiras. Amavam-se em fim-de-tarde, ao pôr-do-sol, mas, um dia, os pais descobriram-nos a praticar aquilo que consideraram ser uma censurável leviandade, e encomendaram a uma bruxa um feitiço para os separar.
Então, em certo dia, enquanto o casal se amava como habitualmente numa das margens da Ribeira, a bruxa aproximou-se deles e, erguendo os seus compridos braços, pronunciou uma reza maligna que transformou o rapaz num rochedo e volatilizou a rapariga no espaço.
Teresa Paula Silva utilizou nesta pintura a técnica de “massa arenisca densa, gesso ultradenso e acrílico” sobre tela 70 x 100
Mas o seu amor era tão grande que a moça conseguiu descobrir o seu bem-amado entre todos os rochedos e sempre vinha dar-lhe um amoroso beijo de eterna felicidade.
FONTE
- EXPOSIÇÃO “Histórias e Lendas de Mação” - Teresa Paula Silva
Feitiços em Vale Pedro Anes
Existia em Vale Pedro Anes, uma aldeia da Freguesia do Carvoeiro, uma vidente de nome Maria Prudência, mulher de formas grossas, olhos expressivos e cabelos negros, que lia os males dos outros no azeite atirado à água, quer fossem doenças físicas, da alma ou malefícios do mau-olhado.
Maria Prudência deu à luz nada menos do que dezoito filhos, seis dos quais raparigas e foi a estas que transmitiu os seus dons de feitiço.
Dos filhos-homem, alguns enveredaram igualmente por caminhos obscuros, tendo-se todos eles refugiado no Vale Santiago, onde praticavam os
seus malefícios, mas os restantes, cansados de tantas maldades da sua mãe e irmãos, combinaram desfazer-lhes o poder do feitiço, visto que, em conjunto, dispunham do domínio suficiente.
E a tentativa resultou, pois, numa noite negra desencadeou-se uma tremenda trovoada, durante a qual caiu um raio que transportava uma bruxa que se enraizou com grande estrondo numa imponente árvore. Esta árvore, que ainda existe, situa-se na povoação da Eira, que fica entre o Vale Pedro Anes e o Vale Santiago.
E assim, acabou a feitiçaria por essas bandas.
FONTE:
- EXPOSIÇÃO “Histórias e Lendas de Mação” - Teresa Paula Silva
A bruxa sábia
Diz-se, desde tempos remotos, que uma bruxa considerada sábia vivia em Mação, nuns barracões isolados, e que todos os dias, depois da meia-noite, dava o seu passeio nocturno para encontrar gente a quem pudesse lançar os seus malefícios.
Quando saia dos seus barracões, dava um salto para o ar e punha-se a voar, rezando:
– Voa, voa, por cima de toda a folha!
Entretanto, uma sua vizinha, numa certa noite, ao surpreender a bruxa na sua lengalenga e, querendo imitá-la, deu um salto para o ar, só que se enganou ao dizer:
– Voa, voa, por baixo de toda a folha!
E a vizinha, ao invés de voar, caiu sobre moitas espinhosas e chegou a casa toda arranhada, com a roupa rasgada, e não mais quis saber da bruxa sábia.
FONTE
- EXPOSIÇÃO “Histórias e Lendas de Mação”, 2019 - Maria de Jesus Magalhães.
Uma manta com passas de figo
Noutros tempos, quem possuía hortas trabalhava nelas de ver-a-ver. Saia de casa ainda de noite e, quando chegava à horta já havia alguma luz de dia que lhe permitia começar a trabalhar e o fim da jornada ocorria até quando lhe fosse dado ver. Trabalhar de ver-a-ver.
As pessoas da zona do Rio Frio, quando regressavam a casa já de noite, viam, por vezes, à luz do luar, formosas mouras sentadas sobre lajes que por ali havia, penteando os seus longos cabelos.
Um dia, certo homem, ao regressar da sua horta, vislumbrou uma manta estendida no chão com muitas passas de figo em cima como se estivessem a secar.
Então, o homem apanhou uma meia-dúzia de passas, meteu-as ao bolso e, quando chegou a casa, qual não foi o
seu espanto, viu que as passas se tinham transformado em moedas de ouro.
Mal dormiu e, na manhã seguinte, correu ao mesmo local mas a manta e as passas tinham desaparecido e apenas ouviu uma voz que lhe disse:
— Vá lá, portaste-te com parcimónia…!
FONTE
- EXPOSIÇÃO “Histórias e Lendas de Mação”, Amélia Serras
As bruxas do Lameiro da Pracana
Conta a D. Preciosa Martins, de Cardigos:
— Já lá vão muitos anos, ainda o meu Domingos era vivo, ouvíamos, em certas noites, uns barulhos estranhos vindos da rua.
O meu cunhado, que morava ao nosso lado, costumava gritar para o meu marido: ó Domingos, estás a ouvir o barulho? Lá andam as bruxas outra vez em alarido!
E a D. Preciosa entrava em pormenores, garantindo a veracidade daquilo que ia contando.
Dizia que aqueles ruídos, no meio da noite, provinham do baile de bruxas que se realizava num lameiro existente na Pracana da Ribeira, da Freguesia de Cardigos.
Esta pequena aldeia é uma das três “Pracanas” que existem ao longo da ribeira que nasce na Amêndoa, tem cerca de 30 quilómetros de extensão e vai desaguar no Rio Ocreza.
Então, diz a D.Preciosa que as bruxas do Lameiro eram mulheres dali que, de dia, não se distinguiam das restantes pessoas, mas à noite transformavam-se em bruxas que cantavam, davam sonoras gargalhadas e dançavam, fazendo rodas em torno de fogueiras.
Dizia-se que no meio delas havia um homem com pés de lobo, que também dançava. No fundo, tratava-se do Diabo em forma de lobisomem.
E a D. Preciosa terminava:
— Ainda hoje, aquele lugar é conhecido como o Lameiro das Bruxas!
FONTE:
- Preciosa Martins, utente da Santa Casa da Misericórdia de Cardigos.
A ponte da Ladeira e as suas lendas
Quem sai da aldeia da Ladeira de Envendos, na direcção de S. Pedro de Esteval, ao passar na Ponte sobre a Ribeira da Pracana vê, lá em baixo, uma outra ponte, velhíssima, de que se diz ter sido parte da via romana que se iniciava em Emérita Augusta, na Espanha, que entrava em Portugal na Amieira e ia terminar em Conímbriga.
Junto desta ponte romana não existia qualquer construção e apenas por ali passavam viajantes e pastores com as suas cabras e ovelhas e, assim, a solidão do local ajudava o imaginário popular a criar inúmeras histórias fantásticas.
Uma dessas histórias reza que, pela meia-noite, aparecia um cavalo branco, que provocava um enorme ruido ao bater com as patas no empedrado da ponte e a força que fazia era tal que as ferraduras deixavam marcas nas pedras.
O cavalo passava por ali sozinho e o povo não tinha dúvidas que se tratava de um lobisomem.
Mas intervenções do sobrenatural nesta ponte, não se ficam por aqui. Numa encruzilhada ali perto costumavam as bruxas da Ladeira realizar animados bailes a partir da meia-noite e havia muita gente que garantia tê-las visto a dançar freneticamente ao mesmo tempo que lançavam diabólicas risadas.
Entretanto, um pastor que vivia nas proximidades, queixava-se que as suas cabras andavam a morrer sem causa aparente e, depois, desapareciam misteriosamente. E o pastor interrogava-se:
— Quem me está a trazer esta desgraça? O lobisomem da ponte ou as bruxas da encruzilhada?
Então foi consultar o soldador da aldeia, que tinha artes de bruxo-curandeiro, e contou-lhe o que se passava, ao que o soldador-bruxo recomendou:
— Quando a próxima cabra te morrer, acendes uma fogueira e, sem perda de tempo, queimas a cabra! Verás que o feitiço é quebrado.
O pastor assim fez e quando a cabra estava a arder, dentro da fogueira, apareceram as tais bruxas da Ladeira, que vinham com a cara tapada para não serem reconhecidas. Então, muito aflitas porque sabiam que esse ritual poderia acabar com elas, tentaram retirar o animal do fogo, nas não conseguiram, e algumas delas ficaram chamuscadas.
No dia seguinte, o pastor reparou admirado que algumas mulheres da aldeia se encontravam com ligeiras queimaduras, ficando ele a saber quem eram as bruxas da Ladeira.
A partir daí nunca mais lhe morreram cabras de forma misteriosa e ele ficou a reconhecer as bruxas suas vizinhas.
Uma outra lenda relacionada com a ponte romana diz que as gentes da Ladeira não deviam ir para o Cardal pelo caminho da ponte, a fim de evitar “maus encontros” junto da Capela das Almas.
Realmente, a uns 4 ou 5 metros da Ponte, no caminho que vai para o Cardal, havia um pequeno nicho, a que chamavam Capela das Almas que, no seu interior, teria, segundo dizem, imagens relacionadas com as almas do Purgatório.
De noite, ninguém por ali passava e davam uma volta maior só para evitarem algum mau encontro. Mas de dia havia pessoas que tinham o costume de rezar pelos seus defuntos, junto do nicho.
E também havia quem tivesse visto um homem estendido, inerte, com metade do corpo dentro do nicho e com as pernas no exterior. E viam-no sempre assim, nessa posição.
Diziam que se tratava de uma alma que andava pelo mundo a penar e a pedir orações.
FONTE
- Memórias das Pontes – Teresa Aparício, pág. 095
A bruxa da Chaveira
Era uma vez um homem da Chaveira que costumava moer os seus cereais num moinho comunitário que havia na Ribeira do Bostelim.
Um dia em que estavam muitos outros aldeões para serem atendidos, calhou ser o último e só depois da meia-noite é que o moleiro lhe deu o cereal moído.
Dirigiu-se para sua casa com o saco de cereal às costas e ao chegar a uma encruzilhada onde havia uma cruz de madeira, local onde habitualmente as bruxas faziam o seu baile, de repente sentiu-se agarrado e qual não foi o seu espanto quando uma das bruxas, puxando-o com força, o carregou às costas.
Cheio de medo o homem ainda conseguiu balbuciar:
— O que é que tu queres? Para onde é que me levas?
Então a bruxa, a correr desalmadamente e carregando com o homem e com o saco, respondeu-lhe:
— Vou levar-te a tua casa.
Assim foi. Deixou-o à porta de casa e desapareceu.
E o homem, admirado com o que se tinha passado e já mais calmo e contente, disse a si próprio:
— Olha lá, ainda há bruxas boas!
FONTE:
- Júlia Martins, Chaveira, Lar da Misericórdia de Cardigos
O lobisomem do espojadouro
Na maior parte das culturas antigas vamos encontrar lendas que misturavam homens e animais, como forma de explicar crimes violentos e impulsos de raiva.
A mais antiga referência a homens-lobo ou homens-bicho que se conhece leva-nos à mitologia grega onde existe a história do Rei Licaão da Arcádia que obrigou Zeus a comer, cozidas, as vísceras do próprio filho e, para punir tão hediondo crime, Deus transformou-o num lobisomem.
Histórias de lobisomens chegaram até aos nossos dias, não havendo aldeia que se preze onde não se conte, pelo menos, uma lenda dedicada à hedionda criatura. É o caso da aldeia de Santos, em Mação.
Na encosta da serra do Bando dos Santos existia um largo onde os animais, se costumavam espojar quando por ali passavam e que, por essa razão, se chamava o “Espojadouro do Bando dos Santos”.
Ora, em tempos idos, diz-se, havia um lobisomem que usava esse local para se espojar durante a noite, tal como faziam burros e carneiros.
Esse lobisomem primeiro despia-se e depois disfarçava-se num dos animais que se tinham ali espojado
Em seguida, depois de praticar as suas cerimónias de magia negra, ia percorrer as ruas das aldeias próximas na esperança de encontrar algum habitante ainda a pé, para lançar os malefícios da sua feitiçaria a toda a família dessa casa.
Mas era raro conseguir os seus intentos porque os habitantes das aldeias, cansados do estafante trabalho do dia, deitavam-se cedo.
Tal como o trabalho das bruxas, também o deste lobisomem tinha início pela meia-noite e durava até ao primeiro canto do galo e, ao romper do dia, já vestido como qualquer outro ser humano, tomava o seu aspecto normal e regressava à sua aldeia.
Uma noite, o lobisomem teve o atrevimento de ir espreitar a dança que se realizava na Portela das Bruxas.
Uma delas, que descobriu aquela ousada presença, logo se transformou em ave agoirenta e correu ao espojadouro para esconder a vestimenta do lobisomem, vingando assim o seu atrevimento.
Regressado ao espojadouro o lobisomem deu pela falta da roupa e para não ser visto todo nu, foi esconder-se dentro de um forno onde contava permanecer até que conseguisse discorrer sobre a melhor forma de cobrir o corpo e, assim, poder de novo apresentar-se com dignidade perante a população da sua aldeia.
Quando o Sol raiou, a dona do forno, ao acendê-lo para começar a cozer o pão, foi surpreendida pelo lobisomem e, amedrontada com aquela visão só teve tempo de gritar:
— Foge daqui diabrete!
E, apesar do medo que a assaltava, mas com grande valentia, pegou na pesada pá do forno e descarregou uma forte bordoada no lombo daquela pecaminosa criatura, provocando-lhe uma profunda ferida.
Então, o sangue jorrou copioso e, tal como diz o povo, quebrou-se a sina do lobisomem.
FONTE
As bruxas do moinho de azeite
Conta Américo Fernandes, de Cardigos, que há muitos anos atrás, era ele ainda muito novo, passou numa certa noite por um lagar de moer azeitona junto da Ribeira da Chaveira e, nesse preciso momento, a roda do moinho começou a mover-se e a chiar e apareceu uma misteriosa luz sobre a roda. E o que era mais estranho é que não corria pinga de água na ribeira.
O Américo foi-se aproximando para descobrir a origem daquela luz e começou a ouvir muitas gargalhadas de mulheres e logo aí admitiu que a algazarra era provocada por um bando de bruxas que, em alegre brincadeira, bailavam em torno de uma fogueira.
E mais, para assustar quem passava por ali e para que ninguém perturbasse aquela bela animação, as bruxas faziam mover o velho moinho de azeite.
O Américo terminou dizendo que não era homem de medos, mas que pensava sempre duas vezes antes de passar à noite por aquele lugar, que, no seu entender, deveria ser recuperado para Museu onde todos “estudariam as lições do passado de uma forma atraente”.
Fonte
Américo Fernandes, Sta. Casa da Misericórdia de Cardigos
O lobisomem de Monte Novo
Num passado ainda não muito distante, contava-se na Ortiga que um ascendente de uma família conhecida pelo nome de Francisquitos, do Lugar de Monte Novo, foi lobisomem quando solteiro.
Na altura, tinha aquele cidadão a má sina de ter de rebolar sobre patadas de bois, cavalgaduras e lobos e percorrer sete vilas acasteladas em cada noite.
Triste sina essa que o apoquentou durante muito tempo, até que um dia, sua mãe entrou no seu quarto a meio da noite e, estupefacta, não o viu. Onde se teria ele metido? Aonde foi?
Entretanto, reparou que toda a roupa de vestir se encontrava espalhada pelo quarto e decidiu arrumá-la nos sítios próprios, pacientemente, peça-a-peça.
E quando a boa mulher ultimava a sua tarefa, pendurando num cabide do armário a última camisa por arrumar, ouviu um tropel infernal e um homem desgrenhado, desfigurado e bramando com cólera em altos berros, caindo a seus pés, desfalecido.
Era tão só o lobisomem, o infeliz filho a quem a mãe acabara de quebrar o encanto, com risco da própria vida.
Quando voltou a si e a mãe, tremendo de medo, lhe contou o que estava a fazer, o filho afiançou-lhe que ela tinha tido muita sorte, pois se ele não tivesse desmaiado poderia não a ter reconhecido e ainda, na sua satânica missão, tê-la esfrangalhado por lhe estar a mexer na roupa.
Mais uma história diabólica que acaba bem… felizmente!
FONTE:
- ORTIGA CONCELHO DE MAÇÃO NO TEMPO E NO ESPAÇO, Leonel Raimundo Mourato, pág. 181
As Genjas
As Genjas eram mulheres sobrenaturais, especialistas em fiar estrigas de linho. (*)
Então, quem necessitasse do seu trabalho deslocava-se à entrada da noite a um dos pontos pré-determinados para efectuar a transacção e deixava lá os molhos de linho.
No dia seguinte, apareciam na residência das clientes as estrigas primorosamente fiadas, mas com algum desconto que as Genjas retiravam para si, como pagamento do trabalho efectuado.
Há pouco tempo, uma pessoa da Ortiga disse possuir uma coberta de cama feita com linho fiado pelas Genjas.
Felizes pessoas que acreditam nestas inocentes histórias e as transmitem com tamanha convicção!
(*) Porção de linho que de uma vez reveste a roca
FONTE:
ORTIGA CONCELHO DE MAÇÃO NO TEMPO E NO ESPAÇO, Leonel Raimundo Mourato, pág. 181
A bruxa e o namorado
Em tempos remotos, Manuel Fernandes, residente em Pergulho, uma aldeia de Proença-a-Nova, deslocava-se com frequência ao Carvoeiro, onde tinha a sua namorada.
Um dia, quando ia visitar a moça, ouviu, no sítio do Lagar do Possarro, grande algazarra vinda do seu interior.
Cheio de curiosidade foi espreitar, e o que viu?
Nada menos do que um animado baile de bruxas, em que todas cantavam e dançavam alegremente, sob o domínio de um grande cão preto que, não teve dúvidas, era o Diabo embruxado.
Pôs-se então a fixar-se nas criaturas que constituíam a animada festa para ver se conhecia alguém e qual não foi o seu espanto quando reconheceu entre os foliões a sua própria namorada.
Então saiu dali rapidamente a correr, na direcção da casa da sua amada, e quando chegou lá estava ela, como se nada se tivesse passado.
Bem, o namorado, nada satisfeito e até furioso, começou uma violenta discussão, mas ela só lhe respondeu:
— Cala-te! E se me descobres, mato-te!
No dia seguinte, o perturbado moço correu a confessar-se ao Padre do Pereiro, contando a sua situação e perguntando ao sacerdote se deveria ou não casar com ela, que muito amava.
O Pároco respondeu-lhe que sim, que deveria casar, pois o amor era sincero e retribuído e aquele comportamento dela não teria passado de uma leviandade.
FONTE:
UNIVERSIDADE DO ALGARVE-CEAO, A bruxa e o namorado APL 1082 https://lendarium.org/en/apl/witches/the-witch-and-the-boyfriend/
As bruxas do Vale Pinhora
Esta estranha história era contada pelo Tonho do Pereiro, que tinha ido trabalhar para Lisboa e que um dia, diz ele que no tempo das cerejas, teve de regressar para ser inspeccionado no apuramento de mancebos para as Forças Armadas. Na altura, dizia-se “vir às sortes”.
Apareceu no Pereiro à tarde, na camioneta das duas para o Carvoeiro e, mal chegou, pegou na cachopa, foram às cerejas e ficaram por lá a namorar.
Chegaram já o dia tinha acabado há muito e foram comer a ceia da noite mas beberam pouco porque, naquele tempo, não havia tanta fartura de vinho. Portanto, o Tonho estava perfeitamente sóbrio.
Saiu do pé da cachopa às tantas da noite, desceu o povoado e quando chegou ao caminho dos carros viu “assim uma coisa” que não soube o que era e nunca mais se lembrou de nada, nem onde estava.
Só acordou no outro dia, ao romper do Sol, para os lados da ribeira, ao pé da eira do Ti’Martins do Pereiro, um sítio chamado Vale Pinhora.
E ficou espantado. Estava muito cansado e todo nu, só com as cuecas viradas do avesso, deitado com os pés a tombar para um poço e molhado de alto-a-baixo.
A roupa tinha desaparecido toda e também o relógio de pulso mas, depois de muito procurar, foi encontrar tudo debaixo de uma pedreira, ali próximo.
Voltou para casa amedrontado e sem saber o que deveria pensar e contou tudo à sua irmã, mulher conhecedora de feitiços, que lhe garantiu ter ele sido vítima de poderes sobrenaturais, que nenhum mortal poderia explicar, e aconselhou-o a consultar uma feiticeira que vivia próximo da aldeia.
Foram lá, ele e a irmã, e o Tonho contou tudo com todos os pormenores.
Então, no final, a bruxa, com ares de grande sabedoria, afirmou categórica:
— Você teve muita sorte! Você era para ter morrido e alguma coisa o livrou.
Naquele dia já não pôde ir à Inspecção porque a camioneta da carreira já tinha abalado.
FONTE:
UNIV ALGARVE-CEAO, Bruxas do Vale Pinhora APL 1094-Maria de Lurdes Pereira, https://lendarium.org/
O Moinho das Calhondras
Diz Maria de Lurdes Pereira, de Mação que, na Ribeira da Pracana há um moinho a que chamam das Calhondras.
Estas pequenas cobras de água, inofensivas e boas nadadoras, vivem na nossa região associadas a cursos de água e encontravam-se facilmente junto de moinhos, porque se há coisa que elas adoravam era os restos das farinhas que sempre se encontravam em zonas destes engenhos de moer cereal.
Então, em certo dia, estava, cá fora, o moleiro a assar uma febra quando lhe apareceu uma bruxa com uma calhondra na mão, que a pôs a assar por cima da febra do moleiro, enquanto ia dizendo:
— Pinga, pinga calhondra p’rá assadura do moleiro!
O moleiro, irritado com o inopinado atrevimento daquela bruxa e, ainda-por-cima, enojado com o cheiro pestilento que emanava do bicho, retirava a carne, mas ao repô-la sobre as brasas a bruxa tornava a sobrepor-lhe a calhondra e a repetir:
— Pinga, pinga calhondra p’rá assadura do moleiro!
E a triste história repetiu-se, repetiu-se até que o pobre moleiro, ciente de que não levava a melhor, desistiu da febra e voltou para o seu moinho, que passou a ser conhecido por Moinho das Calhondras.
FONTE
- UNIV DO ALGARVE – CEAO, O moinho das calhondras APL 11340-Maria de Lurdes Pereira
https://lendarium.org/
As bruxas do lavadouro
O Ti’António Lindo era quem contava a história das bruxas da Serra que atravessavam a ribeira, junto do lavadouro do Casal, quando se dirigiam a Alcaravela para as suas noitadas.
Dizia que as bruxas passavam em fila sobre as pedras
puídas da ribeira, em grande galhofa, sem se aperceberem que o Diabo as espreitava ali perto, mas muito bem escondido.
Embora despreocupadas passavam com muito cuidado para não escorregarem com os seus pés-de-cabra sobre as pedras do lavadouro, onde as mulheres da aldeia lavavam a roupa e as tripas dos porcos, em tempo de matanças.
O "diabo" sentava-se, encoberto pelas moitas, do lado de 1á das pedras de passagem e fazia a contagem das feiticeiras, via as suas habilidades e fartava-se de rir em surdina quando alguma escorregava e se magoava, desistindo e voltando logo para trás.
As que passavam a ribeira, seguiam depois caminho fora numa grande restolhada e a toda a pressa para poderem percorrer as sete vilas acasteladas antes da meia-noite, hora a que deveriam chegar ao terreiro do Chão da Guedelha para fazer o bailado final da jornada.
Depois do baile desapareciam todas como por encanto e iam meter-se na cama ao lado dos seus homens que, dormindo a sono solto, não davam pela falta delas.
Houve, no entanto, um deles, o João Verdugo, que, andando desconfiado, deu pela falta da sua metade e, quando ela regressou deu-lhe de tal maneira que a pobre foi parar ao endireita.
E, no dia seguinte, na taberna, gabava-se da tareia que tinha dado à mulher e quando daí em diante o tema na taberna era o das bruxas, dizia convicto:
— Isso a mim não me diz respeito. A minha já está curada e tão depressa não terá vontade de voltar ao baile!
FONTE
- HISTÓRIAS DE GENTE SIMPLES, VOL I, Prof. José Valente, pág. 151
A dama dos pés-de-cabra
Era domingo e a Igreja da Amêndoa já estava quase cheia para a missa quando chega uma dama desconhecida, de beleza invulgar.
Enquanto o Padre não deu entrada no altar para iniciar a cerimónia todos os assistentes não tiravam os olhos daquela formosa criatura que, de tão bela, até parecia que a sua fina garganta era de vidro, pois, quando bebia, via-se a água a passar.
Quase no final da missa, aquela elegante figura levantou-se e saiu, levando atrás de si, alguns dos jovens mais embasbacados que, soube-se depois, a acompanharam até Ponte-de-Sôr.
Tempos depois soube-se que aqueles moços descobriram que a bela criatura tinha pés-de-cabra e praticava feitiços, mas nunca mais apareceram na Amêndoa, nem eles nem a Dama dos pés-de-cabra.
FONTE
- MONOGRAFIA DO CONCELHO DE MAÇÃO, António de Oliveira Matos, pág. 174