LENDAS DE MOURAS
Mouras encantadas
Na EXPOSIÇÃO “Histórias e Lendas de Mação” Vanda Serra expôs uma sua pintura a que deu o título de “Lendas de mouras encantadas – Noite, Pedras e Ouro”.
Numa legenda paralela ao quadro, diz a autora que, ao conceber esta tela, pensou “em todo um mistério nocturno de mouros e mouras encantadas, com pedras e ouro brilhante”.
Vanda Serra diz ainda que foi influenciada, no contacto com idosos de Mação, pelas muitas lendas que lhes ouviu sobre mouras encantadas de grande beleza e “perigosamente sedutoras que apareciam a cantar e a pentear os seus longos cabelos louros, como o ouro, ou negros, como a noite”.
E a exemplificar refere duas lendas, uma em que um mouro vai à aldeia buscar uma parteira, pois a moura sua mulher estava prestes a parir (pag.) e uma outra lenda, a da Conheira do Caratão, cujas pedras ovalizadas e dispostas umas sobre as outras, como que formando um arco, se destinavam a integrar uma ponte a construir pelos mouros, apenas numa noite (pag.).
Efectivamente são muitas as lendas sobre mouros e mouras que ainda hoje sobrevivem no imaginário popular.
E donde nos vem este gosto por histórias de um povo, cuja sangrenta memória, em vez de ser sepultada nas profundas do esquecimento, teima em manter-se viva ao longo das gerações?
Há 9 séculos, de mouros não gostávamos seguramente! Nessa altura, o ódio dos lusitanos pela moirama era profundo e as guerras eram permanentes.
E como é que esse ódio começou?
De quem foi “a culpa”?
Segundo uma lenda antiga, a culpa foi de Julião e de Tarik.
O Conde Julião, que era visigodo (nessa altura a Península Ibérica estava dominada por este povo germâ-
nico de origem escandinava), exercia por ordem do seu Rei, D. Rodrigo, as funções de Governador da Cidade de Ceuta no Norte de África e, naturalmente, vivia rodeado de mouros. Sentia-se feliz porque gostava muito deles e entendia-se às mil-maravilhas com o Emir.
Julião tinha uma única filha, a formosa Florinda, que ele fez regressar à Ibéria quando ela chegou à idade de casar, pedindo ao Rei Rodrigo que a integrasse na Corte de Toledo, a fim de que ela pudesse conhecer outras maneiras de viver e fizesse amizades com jovens cristãos.
Esperava que o Rei lhe arranjasse um noivo conveniente, um rapaz novo, fidalgo e rico, mas, ao contrário, D. Rodrigo enamorou-se de Florinda e, em vez de lhe procurar noivo, abusou dela.
A notícia chegou aos ouvidos do pai Julião que, rebentando de fúria, planeou as mais variadas vinganças, desde estrangular o Rei, até incendiar-lhe as florestas e destruir-lhe o palácio.
Mas não achou isso suficiente e decidiu que tal desaforo só ficaria vingado se pudesse arrasar-lhe o reino por completo.
Então, convenceu os mouros a invadirem a Península Ibérica e ele próprio se armou até aos dentes, ajudando o chefe árabe Tarik na luta contra os cristãos.
A vitória sarracena na Batalha de Guadalete, em 711 dC, foi retumbante, o que decidiu o destino da Península Ibérica para os séculos seguintes: os mouros apoderaram-se de toda a Península, o conde Julião e o Rei Rodrigo sumiram-se como fumo, e os Cristãos que restaram refugiaram-se nas Astúrias, remoendo o seu ódio até à chegada de D. Afonso Henriques.
E aqui está: segundo a lenda, a culpa de toda a bagunça iniciada no ano de 711 foi do Conde Julião e do Chefe Tarik e nós, lusitanos, só em 1139 começámos a ser devidamente vingados na Batalha de Ourique pelo nosso primeiro Rei, D. Afonso Henriques, e aí começámos a perdoar como bons cristãos tudo o que, para trás, tinha ocorrido. E mais, passámos a adorar as lendas de formosas mouras encantadas, muitas das quais têm-se mantido vivas até hoje, tal como nos mostrou Vanda Serra, na Exposição de Pintura de Mação, e também como se prova, através destas Lendas do Mação.
FONTE
- EXPOSIÇÃO “Histórias e Lendas de Mação”, Vanda Serra.
- PORTUGAL, HISTÓRIA E LENDAS, Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, pág. 30.
A Praia das Bouças
No Vale da Abelha, próximo da Ribeira de Eiras, existia uma gruta, tapada com uma grande pedra que lhe servia de porta.
Aí vivia, em tempos remotos, com um filho pequeno, uma moura que, sempre que tinha de entrar ou sair da gruta, proferia em linguagem pouco clara um palavreado que fazia mover a pedra, ficando a passagem livre.
Esta moura tinha o costume de tomar banho nas límpidas águas da Praia das Bouças, mas para banhar, sem perigo, o seu menino não o queria levar consigo para essas águas, pelo que cavou uma rocha com o feitio de uma pequena banheira e era aí que lhe dava banho em segurança.
Um dia, passaram pelo local uns homens que se dirigiam à ribeira para pescar e ficaram surpreendidos com o aspecto daquela pedra semelhante a uma grande concha. Como tivessem concluído que tal obra não era natural e só poderia ter sido feita por mão de gente, resolveram ficar escondidos a observar todos os movimentos que por ali houvesse.
Ao longo dos vários dias de vigília nada de anormal se passou, até que, numa tarde bastante quente, viram chegar uma formosa moura com um menino ao colo. Colocou-o na bacia de pedra, onde ele ficou a brincar, e depois dirigiu-se à ribeira para se banhar nas frescas águas.
Descoberto o mistério, os homens saíram do esconderijo para apanharem mãe e filho, mas a moura, astuta e apercebendo-se a tempo da situação, saltou rapidamente da água, pegou no menino e correu o mais que pôde.
Os perseguidores corriam logo atrás, gritando para a assustar e para que se deixasse apanhar, mas ela, pronunciando uma fala desconhecida, desapareceu como por encanto, por entre as altas moitas da margem da ribeira, não deixando o mínimo rasto.
A moura nunca mais foi vista e, porque ninguém teve conhecimento das palavras que faziam mover a pedra, a gruta nunca mais se abriu.
A sua localização perdeu-se com o tempo, mas a bacia de pedra ainda ali está, na Praia das Bouças.
FONTE
- EXPOSIÇÃO “Histórias e Lendas de Mação”, 2019, Carlos Aleixo
- César di Ambaca, HISTÓRIAS E LENDAS DE CÁ, pág. 16
O parto da moura
Conta a D. Olinda Vitorino Gueifão, de Mação, que a sua trisavó paterna, residente na aldeia de Casas da Ribeira, assistia a quase todos os nascimentos dos filhos das mouras que viviam por ali perto.
Um dia, quando andava a apanhar lenha, apareceu-lhe um mouro que lhe pediu para ela assistir ao parto da sua mulher, que estava prestes a ter um filho.
A trisavó aceitou e lá foi atrás do homem até ao local onde ele residia: uma casa subterrânea, nas Penhas do Chorro.
Então, na base de uma rocha, abriu-se uma porta e ambos entraram.
A moura suportou muito bem as dores do parto e deu à luz um belo moço, que deixou o pai embevecido e orgulhoso.
Então, agradeceu à parteira com um braçado de lenha, às cavacas, o que não agradou à trisavó da D. Olinda, que, ao sair dali, ia resmungando pelo caminho:
— Olha agora, com que o mouro me agradeceu… Com um braçado de lenha!
Colocou a lenha na cesta, mas a meio do caminho, decepcionada com o desaforo do mouro, deitou-a fora porque ainda tinha alguma em sua casa e, portanto, não tinha necessidade de ir carregada.
Quando chegou, ao pousar a cesta no chão, viu com grande espanto que, no fundo, havia pedacinhos de lenha transformados em ouro.
Estupefacta e não cabendo em si de contente voltou pelo caminho que havia trilhado antes, mas já não encontrou nem a lenha, que tinha deitado fora, nem oiro e pôs-se a pensar:
— Será que o mouro era bruxo e, quando se apercebeu que eu tinha recusado a oferta, ficou danado e quebrou o feitiço?
Existem outras versões desta Lenda, em que o mouro pede a uma parteira cristã que assista ao parto da sua mulher e depois a recompensa com um braçado de lenha, que se transforma em oiro.
Uma dessas versões diz que a parteira, ao pegar num dos pedacitos de lenha do fundo da cesta ficou pasmada ao verificar que ele se transformou num lindo cordão de ouro e logo pensou oferecê-lo à sua filha.
Então pendurou o cordão num tronco de oliveira para imaginar a vista que tão rica jóia iria fazer no pescoço da filha mas, de repente, o cordão transformou-se numa feia serpente que, de um golpe, rachou o tronco da oliveira.
E esta versão termina, sentenciando:
— E tudo isto aconteceu porque a parteira foi mal-agradecida.
Numa terceira versão, conta-se que o marido da parturiente mandou que a parteira lavasse a cara antes de tocar na sua mulher.
Ela achou isso muito estranho e só tocou com uma das mãos na água, lavando, apenas, metade da cara.
Um ano depois, encontrou o marido da moura numa feira do Gavião e perguntou-lhe pelo filho, que ela tinha ajudado a nascer.
O mouro, parecendo-lhe desagradado, mandou-lhe fechar um olho e perguntou-lhe se ela, vendo-o apenas com o outro olho, o reconhecia e ela disse que não.
Depois mandou-lhe fechar o outro olho e ela reconheceu-o de imediato.
Então o mouro pegou numa faca e, com um golpe certeiro, tirou-lhe o olho que o tinha reconhecido e exclamou com rancor:
— Não lavaste este olho no dia do parto, pois ficas sem ele. Assim, nunca mais me reconhecerás em lado nenhum.
Conta-se ainda uma quarta versão desta lenda, em que a moura morava num estranho lugar: por detrás de uma queda de água no sítio a que hoje se chama a “Buraca da Moura”.
Quando a parteira lá chegou a água da cascata afastou-se para a deixar entrar.
Então a parteira avançou com muito cuidado, pé-ante-pé para não escorregar, pois tinha sido avisada:
— Se caíres ali, vais parar lá abaixo e entras direitinha no Inferno.
Por ter sido cautelosa, não caiu e pôde cumprir eficazmente o trabalho de parto.
Porque foi cuidadosa, não entrou “direitinha no Inferno”, mas também não logrou o ouro sarraceno, tal como nas outras três lendas.
FONTES:
UNIV ALGARVE, CEO, A Parteira das Mouras APL 2257, Olinda Vitorino Gueifão https://lendarium.org/
ORTIGA CONC. DE MAÇÃO NO TEMPO E NO ESPAÇO, Leonel Raimundo Mourato, pág. 178
A Conheira da Lagoa
Uma das lendas mais conhecidas da aldeia do Caratão é a da “Conheira da Lagoa”.
Reza essa lenda que as moiras encantadas usavam esta Lagoa mágica para obterem ouro de aluvião.
Não há dúvidas que esta crença assenta num fundo verídico porque os romanos utilizaram as águas desta Lagoa para extracção de ouro aluviar, processo que consistia em lavar repetidas vezes os terrenos de aluvião de forma a separar o ouro dos inertes.
Esses terrenos são constituídos por sedimentos de areia, cascalho e lamas que trazem consigo partículas de minérios que se depositam no leito das ribeiras ou nas suas margens em virtude das constantes e intensas correntes fluviais ou de inundações provocadas por chuvas torrenciais, durante longos períodos de tempo.
A Lagoa da Conheira fica situada junto da estrada CM 1275, no cimo de uma encosta, de onde se avista, ao longe, a aldeia do Caratão.
Em tempos recuados, teria sido alimentada por uma caudalosa ribeira, que hoje se encontra seca. A água que actualmente possui é a das chuvas.
Nesta lagoa ainda se pode ver uma estrutura que, em tempos recentes, serviu para fazer a lavagem de inertes destinados à construção e se supõe que as ruinas próximas a esta estrutura podem estar ligadas ao funcionamento de uma antiga exploração aurífera dos romanos.
A Conheira está instalada por toda a extensa ladeira, para baixo e para cima da Lagoa, e é constituída por grandes acumulados de pedras ovalizadas, os “conhos”, que terão sido assim moldadas provavelmente porque foram arrastadas em longas distâncias por violentas enxurradas, quando, em tempos longínquos, a região estava quase totalmente submersa.
Mas o povo acredita noutras versões.
Dizem que alguns dos conjuntos de pedras, umas sobre as outras como se começassem a descrever um arco, se destinavam à construção de uma ponte pelos mouros.
No entanto, na noite em que a obra deveria começar pôs-se um cerrado nevoeiro que não permitiu que os trabalhos se iniciassem e, quando isso se tornou possível, fez-se imediatamente de dia. E, como a ponte era para se construir naquela noite sem que a obra fosse vista, os mouros não a fizeram.
Uma outra crença que existe é a de que aquelas pedras foram retiradas de uma mina de extracção de minério.
Diz-se também que há, escondidos junto da Lagoa, um capote, um carneiro e uma candeia, tudo de ouro, e que houve um homem que deu uma esmola a um mouro e este, agradecido, confidenciou-lhe o local onde se encontrava o capote, mas que ele não poderia dizer isso a ninguém.
Próximo do local, quando o homem já avistava o capote, encontrou um amigo que lhe perguntou onde ia e ele disse que ia buscar o capote de ouro, mas, nesse instante, deixou de o ver, tendo sofrido este castigo por não ser capaz de guardar o segredo.
FONTES
UNIV ALGARVE, CEO, Os Mouros do Caratão, informante Olinda Vitorino Gueifão (F), 16 https://lendarium.org/
BiblioVASCONCELLOS, J. Leite de Contos Populares e Lendas II Coimbra, por ordem da universidade, 1966 , p.746-747
A Ponte do Caratão
Há muitos, muitos anos, havia no Caratão um filho da terra que era muito rico e andava sempre por fora em guerras e conquistas.
Um dia, apareceu na aldeia com um batalhão de escravos para dar satisfação a um velho desejo, o de construir uma extensa ponte que ligasse o Caratão ao Vale do Grou.
Era Primavera quando pôs toda essa gente a recolher pedras para a obra, mas verificou que precisava de mais e mais súbditos e, de vez em quando, partia para continuar as suas guerras e trazer mais gente.
Entretanto, foi acumulando pedras ao longo do ano que toda aquela gente ia juntando e, quando chegou ao Inverno e se dispôs a lançar os primeiros pilares da ponte, caíram dias e dias de enormes nevoeiros em que as pessoas mal se viam e as ordens gritadas não encontravam destino.
A seguir, veio a peste que matou muita gente e os que quiseram salvar-se fugiram e ninguém sabia de ninguém.
A fome voltou, as doenças nunca mais abandonaram a região e o homem rico, desalentado, abandonou cada um à sua sorte e desistiu da obra.
Assim, por lá ficaram pelas encostas do Caratão, até hoje, as toneladas de rebolos empilhados que testemunham, senão esta história, pelo menos uma outra qualquer, mais ou menos verosímil
FONTE:
- César di Bianca, HISTÓRIAS E LENDAS DE CÁ, pág. 39
A moura da fonte
Contam os mais velhos da Aldeia de Santos que, numa propriedade próxima, existia em tempos recuados uma fonte de água pura relacionada com uma bela lenda de amor, a da moura encantada. E que, nessa fonte, uma formosa menina de origem árabe se encontrava todos os dias com o eleito do seu coração.
No entanto, o mouro amado teve de se ausentar por ter sido chamado a participar numa guerra distante, mas jurou que um dia voltaria a estar com ela, ali, naquela mesma fonte, para lhe assegurar o seu amor eterno.
A formosa moura esperou, esperou, durante um largo tempo, mas o seu apaixonado nunca mais retornou, provavelmente por se ter finado nalguma sangrenta batalha.
Mas a bela moura não desistia, todas as noites aparecia na fonte de encantamento e, nas noites de S. João, havia quem a ouvisse cantar e chorar a sua angústia.
Velhos aldeões diziam ainda que, numa dessas noites, apareceu à triste moura uma velhinha muito pobre que lhe deu uma mão cheia de figos, que logo se transformaram em valiosas e reluzentes moedas de ouro.
Esta lenda da moura encantada sempre acompanhou o imaginário de muitas gerações na Aldeia de Santos, mas nunca alguém encontrou aquela fonte que, por certo, se deixou soterrar pela poeira dos tempos.
FONTE:
EXPOSIÇÃO “Histórias e Lendas de Mação”, Isidro Serra
O capote de ouro
Um habitante da Amêndoa, quando passava perto do Poço Mourão, cruzou-se com um mouro e, como lhe pareceu que se tratava de uma pessoa necessitada, deu-lhe algum dinheiro.
O mouro, muito agradecido, quis retribuir àquele desconhecido a sua dádiva e revelou-lhe o esconderijo de um autêntico tesouro: nada mais do que um capote, um carneiro e uma candeia, tudo de ouro. Mas tinha uma condição: ele não poderia transmitir a mais ninguém este segredo.
Radiante e desejoso de receber a recompensa, deixou-se conduzir pelo mouro até à toca do tesouro e, quando já estava a contemplar o capote de ouro, passa por ali um seu amigo que lhe pergunta para onde ele ia.
Radiante e desejoso de receber a recompensa, deixou-se conduzir pelo mouro até à toca do tesouro e, quando já estava a contemplar o capote de ouro, passa por ali um seu amigo que lhe pergunta para onde ele ia.
– Olha, vim buscar este capote de ouro, cujo esconderijo acaba de me ser revelado.
E quando se voltou para mostrar o capote ao amigo ficou de boca aberta. O capote e tudo o mais, havia desaparecido como por encanto. A profecia do mouro cumpriu-se.
Esta lenda, tal como é aqui descrita, também é reivindicada pelas gentes do Caratão que afirmam estar o esconderijo do tesouro situado junto da Lagoa onde os romanos lavavam os terrenos de aluvião para obterem ouro.
FONTES:
EXPOSIÇÃO “Histórias e Lendas de Mação” - Florinda Magalhães
UNIV ALGARVE, CEAO Mouros do Caratão, Olinda Vitorino Gueifão https://lendarium.org/pt/apl/tesouros-encantados/os-mouros-do-caratao/
Perseguição
Maria de Jesus Magalhães, da Escola de Pintura de Mação, pintou este quadro e fê-lo acompanhar da seguinte legenda:
As meninas cavalgando
no bosque em perseguição
das mouras perdidas
FONTE:
EXPOSIÇÃO “Histórias e Lendas de Mação” – Maria de Jesus Magalhães
A superstição do galo
As populações da região do Penhascoso acreditavam que os mouros construíam as suas pontes e outras grandes obras à socapa, em especial durante a noite, porque não queriam que alguém visse como eles trabalhavam. Assim, eles só laboravam desde a meia-noite até ao cantar do galo.
Sobre a hora de início dos trabalhos, não havia dúvidas, começavam ao bater das doze badaladas, mas quanto ao final da jornada e, inclusivamente, se a cumpriam ou não, dependia da “cor do galo”.
Se o galo fosse branco, diziam eles:
— Não nos espantemos e vamos continuando a trabalhar.
Se o galo fosse pedrês diziam:
— Vamos embora e vimos amanhã outra vez.
Mas se ele fosse preto, vinha-lhes o temor e afirmavam receosos:
— Vamos embora, pois com esse não me meto”.
E rumavam às suas hortas.
Dizem ainda os antigos moradores no Penhascoso que os galos, normalmente, só cantam pela manhã, mas quando cantam à meia-noite isso quer significar mau-agouro, mortes, sismos e outros desastres.
FONTE
À Descoberta da Freguesia do Penhascoso – 5.7 Lendas e Superstições, A simbologia das cores para os mouros, pág. 133
As mouras do Rio Frio
Amélia Serras e Maria José Marques, ambas de Mação, dizem que ainda existem, próximo da foz do Rio Frio, os restos de uma anta já estudada por arqueólogos do Museu de Arte Pré-histórica e do Sagrado do Vale do Tejo, anta que, na tradição popular, era conhecida por Casa da Moura, tendo sido essa designação que chamou a atenção dos responsáveis do Museu. E Casa da Moura porquê?
Porque diz a lenda que as mouras de Rio Frio fiavam com perfeição e, quem quisesse que o seu linho fosse fiado e tecido a preceito para depois confeccionar lençóis de noivado ou finas toalhas de altar, era só deixar as meadas em cima de uma das pedras da anta.
Nessa mesma noite as mouras recolhiam as meadas e, no dia seguinte, lá estava depositado no mesmo local, o linho já devidamente tecido, pronto a ser costurado.
Como recompensa, a “feliz contemplada” deixava no local uma farta dose de comida, que tinha de ter boa qualidade, não fossem as mouras ficarem contrariadas e deixarem de fazer tão útil trabalho.
E, quando os camponeses, já de noite, voltavam a casa, terminado o seu trabalho diário nas hortas, viam com frequência as mouras ao luar.
FONTE:
- EXPOSIÇÃO “Histórias e Lendas de Mação”, Maria José Marques e Amélia Serras
- MEMÓRIA DAS PONTES, Teresa Aparício, pág. 089.
A buraca da moura
No tempo em que as forças cristãs procuravam desalojar os últimos núcleos mouriscos instalados na margem direita do Tejo, ainda algumas famílias sarracenas se encontravam refugiadas nos montes vizinhos da Ribeira de Eiras, portanto, muito próximo da Ortiga.
Entre essas famílias, diz a Lenda, vivia, numa gruta sobranceira ao Ribeiro dos Lavadouros, uma moura encantada, que seria uma última descendente daqueles refugiados e que permanecia misteriosamente nessa gruta a que o povo chamava “a Buraca da Moura”.
Um certo dia, uma modesta pastorinha que trazia o seu gado a pastar por aqueles sítios, deparou com aquela linda mulher, sentada junto do ribeiro a guardar um grande estendal de roupa e a pentear a
sua longa e reluzente cabeleira cor de azeviche, com um pente de ouro que cintilava à luz do Sol.
A pastorinha, ao ver aquela tão linda criatura, como seus olhos nunca tinham visto, ficou embasbacada e foi incapaz de articular palavra.
Então a moura chamou-a e perguntou-lhe:
— Olha pastorinha, do que é que tu mais gostas? Do meu cabelo? Do estendal da roupa? Ou do meu pente?
A pastorinha, hesitante e a medo, disse que gostava mais do pente, atraída pelo seu aspecto e provável valor.
Então a moura, entristecida e molestada na vaidade que tinha na sua cabeleira, disse:
— Foste infeliz na tua escolha, Se tivesses dito que gostavas mais dos meus cabelos, dar-te-ia o meu pente, que é de ouro, e toda aquela roupa. O meu encantamento terminaria hoje e tu e a tua família, com estes meus haveres, sairiam da pobreza em que vivem.
Findas estas palavras, a formosa moura desapareceu e, com ela, o seu valioso pente e também toda a roupa que se encontrava estendida.
E desapareceu, para nunca mais ser vista.
FONTE:
ORTIGA CONCELHO DE MAÇÃO NO TEMPO E NO ESPAÇO, Leonel Raimundo Mourato, pág. 176
Os fetos do Poço Mourão
Diz-nos Rui Santos (Gady), no seu livro “Respira Natureza em Mação”, que “o Poço Mourão é um lugar ímpar, de grande beleza, onde a Ribeira da Galega, no seu percurso, encontra um bonito afloramento rochoso que permite a existência de pequenas cascatas”. 42
E diz-nos ainda: “há quem conte que em tempos as mouras punham candeias à volta da Ribeira perto do Poço para alumiarem o local onde os rapazes e as raparigas iam tomar banho”.
Na altura, as imediações estavam repletas de craveiros e fetos, concretamente da espécie Feto-real, espécie que ainda hoje lá existe.
Diz, então, a Lenda que
“Quem fosse ao Poço Mourão, à meia-noite, no dia de S. João, e estendesse uma toalha por baixo dos Fetos-Reais, eles largariam as suas sementes que, nessa noite, seriam de oiro”.
FONTE:
- RESPIRA NATUREZA EM MAÇÃO, Rui Miguel Roseiro Santos (Gady)
Os figos da moura encantada
Na aldeia de Azinhalete, Freguesia de Cardigos, existe uma fonte sob uma abóboda, onde noutros tempos morava uma moura.
Quem ia buscar água à fonte, por vezes, encontrava essa moira a pentear os seus longos cabelos loiros com um pente de ouro.
Um dia, um forasteiro que por ali passava dirigiu-se à fonte para matar a sede e reparou num cesto com figos que secavam ao sol. Como não visse ninguém por ali perto, pegou em três figos e meteu-os ao bolso para comer quando dali saísse.
Quando mais tarde decidiu saboreá-los, ficou espantado porque eles se tinham transformado em moedas de ouro.
Então resolveu voltar à fonte, mas quando lá chegou nem sinal de figos nem de moedas de ouro, mas ouviu uma voz de mulher (era a moura encantada) que lhe disse:
— Agora é que as vens buscar? Elas estavam todas guardadas para ti, mas como não reparaste no seu real valor, ficaste apenas com as que levaste.
FONTE:
Maria do Rosário da Silva, Azinhalete, Lar da Misericórdia de Cardigos.
A parteira de Irana
Antes da Ortiga existir havia no local uma povoação mourisca a que chamavam Irana, que terá sido, provavelmente, aquele aglomerado que, mais tarde, veio dar lugar à Freguesia da Ortiga.
Diz a lenda que, mesmo depois de terem desaparecido os últimos sinais de vida das famílias ou clãs mouriscas de Irana, ainda ali existiam indícios da permanência oculta de mouros que viviam em grutas e noutras estranhas moradas.
Entre as primeiras mulheres que vieram viver para essa nova povoação cristã que veio a chamar-se Ortiga, havia uma que se dedicava a assistir aos partos que dariam continuidade ao crescimento populacional.
Uma noite, esta mulher foi procurada por um mouro desconhecido que lhe pediu insistentemente para assistir à sua companheira, prestes a parir.
Como a parteira temesse fazer aquele serviço por ser noite e ainda por cima para um desconhecido, pediu a seu marido para a acompanhar.
Então foram os três à morada onde se daria o parto.
O desconhecido, que era afinal um habitante da antiga Irana, conduziu-os através dos olivais do chamado Campo da Ortiga, parou junto de um zambujeiro e disse:
— Aqui, à minha voz, se abrirá a porta que conduz à minha morada, mas só é permitida a entrada a mim e à mulher que a hora grave da minha adorada moura reclama. E juro por Alah e por Maomé que ao marido desta mulher nada de mau advirá e peço que fique descansado junto deste zambujeiro, esperando, porque dará por bem o seu sacrifício.
Então, o mouro proferiu umas palavras mágicas, a porta abriu-se e ele entrou acompanhado da parteira.
Passado bastante tempo, já o marido da parteira começava a inquietar-se, abre-se subitamente a porta do zambujeiro e surge do escuro alçapão a sua mulher que trás no regaço do avenal uma porção de escumalha negra, que era a recompensa recebida pelo seu bondoso trabalho.
Ambos muito desiludidos com tal paga, foram deixando pelo caminho grande parte do estranho prémio e, quando chegaram a casa, o marido deitou a restante escumalha no fogo da forja onde fazia trabalho de ferreiro.
E qual não foi o seu espanto quando verificou que a escumalha ao fundir-se transformava-se num líquido reluzente e doirado. Era ouro!
Afinal, a negra escumalha, aparentando pouco valor, escondia uma verdadeira riqueza.
Infelizes com a sua imprudente atitude, marido e mulher resolveram voltar atrás tentando encontrar a escumalha que haviam abandonado pelo caminho, mas nada encontraram e, chegados ao olival, já nem sequer sabiam apontar ao certo o zambujeiro que dava passagem à estranha habitação daqueles mouros benfeitores.
Mas, passados longos anos, ainda havia na Ortiga alguns idosos que se diziam capazes de identificar o zambujeiro da lenda.
FONTE:
ORTIGA CONCELHO DE MAÇÃO NO TEMPO E NO ESPAÇO, Leonel Raimundo Mourato, pag.177
O tesouro de Ortigana
Iselda era o nome da bela moura que dominava os campos e as gentes que viviam em Ortigana, no tempo em que, na Península Ibérica os árabes estavam a ser expulsos.
Ainda se vivia em sossego naquelas bandas, nada fazendo prever o despontar da horda cristã que em breve atacaria o ameno sítio de Ortigana, quando a velha Taibuz, segurando com a mão esquelética uma sumarenta laranja, diz a Iselda:
— Vês? Vou abri-la e se for vermelha por dentro... é o presságio maldito.
Taibuz abre a laranja e logo a polpa surge sangrenta, salpicada de inúmeros pontos vermelhos. Então, a velha dá um salto e em grande aflição exclama:
— É a profecia! É o castigo de nunca teres ido a Meca, viagem que todo o crente tem de fazer uma vez na vida, como diz o Profeta.
Não importa! Agora urge verter sangue e, como nos teus campos tens prisioneiros cristãos, manda-os esquartejar e talvez haja alguma salvação.
Horrorizada, Iselda diz:
— Cala-te, velha bruxa! Que mal nos fizeram esses homens para os punir com tal horror?
Entre pragas e esconjuros, a velha Taibuz regressa à sua cabana.
Iselda, preocupada e com trágicos pensamentos, observa do seu terraço o esplendor do poente, que tinge de fogo o céu, e preocupada com a profecia de Taibuz, não dorme nessa noite, presa duma angústia sem fim e dum medo desconhecido que lhe crava no coração uma garra fria e dolorosa.
Então, ao romper da aurora, Iselda ordena que escondam as alfaias de ouro, as jóias e os diamantes num grande cofre de ferro e o escondam por debaixo do enorme penedo do Outeiro da Mina.
Quando os últimos servos de Iselda se retiram do local, ouve-se o ressoar da trompa cristã, presságio de chacina e crueldade. E, duas horas depois, está consumada a matança dos indefesos mouros de Iselda, a bela moura de Ortigana.
A matança termina e o bispo dos templários reza missa, exactamente no local onde se encontra enterrado o tesouro de Iselda.
Hoje, na Ortiga, ninguém suspeitará daquilo que sucedeu tão dramaticamente no tempo da doce Iselda e da velha Taibuz, e ninguém saberá dizer onde se encontra o seu tesouro que continua enterrado algures, tal como acusa uma velha lista mourisca de tesouros escondidos, encontrada em Granada.
FONTE:
ORTIGA CONCELHO DE MAÇÃO NO TEMPO E NO ESPAÇO, Leonel Raimundo Mourato, pag. 184
O tesouro do Chão da Moura
Uma das lendas que as gentes mais antigas da Ortiga ainda recordam é a do “Tesouro da Chã da Moura”.
Diz a lenda que nesse local plano da Ortiga, está enterrada uma grande panela que guarda um enorme tesouro, constituído por peças de ouro e de prata e que está num sítio de passagem do gado e que, por essa razão, a panela já tem uma das asas desgastada.
Mas diz ainda a lenda que este tesouro só pode ser encontrado quando dois homens gémeos lavrarem o terreno onde ele se encontra. E, além disso, o arado tem de ser todo de madeira e feito de uma peça inteiriça.
Por outro lado, os bois que puxam o arado têm também, tal como os homens, de ser gémeos.
Há quem diga que a panela deve estar enterrada na vizinhança das seculares paredes em semicírculo, que existem no lado sul da Chã, na vertente com vistas para a linha férrea.
Será?
FONTE:
ORTIGA CONCELHO DE MAÇÃO NO TEMPO E NO ESPAÇO, Leonel Raimundo Mourato, pág. 179
O Olheiro da Galante
Antes da construção da Barragem de Belver existia junto ao Tejo, cerca de mil metros acima da foz da Ribeira de Eiras, uma nascente de água fresca e cristalina a que o povo chamava “Olheiro da Galante”, mas que, entretanto, ficou submersa pelas águas da albufeira.
A fonte desapareceu aos olhos das gentes da Ortiga, mas a lenda que lhe estava associada não se perdeu.
Diz a lenda que este olho de água fora, em tempos imemoriais, uma mulher, uma formosa moura que vivia feliz e tranquila nas margens da ribeira.
Esta moura, chamada Galante, passava os seus melhores momentos sobre uma enorme pedra que lhe servia de miradouro, cavaqueando com as ninfas que, por ali, peregrinavam e bailando com elas no areal da ribeira.
Um dia, quando penteava os seus sedosos cabelos ao mesmo tempo que se mirava no cristal das águas, surge um príncipe cristão, cavalgando pela encosta do monte, que, ao aproximar-se dela, fica por momentos extasiado com a sua beleza e dispõe-se a tentar o rapto.
Galante, ao aperceber-se da intenção do cavaleiro desconhecido, foge desesperadamente dali, ao mesmo tempo que vai gritando apavorada por Alah e pelas ninfas que lhe faziam companhia, pedindo-lhes que a salvassem.
Nem Alah nem as ninfas lhe acudiam naquele momento e, cansada e já sem poder escapar ao príncipe, que estava prestes a deitar-lhe a mão, desaparece por encanto e, em seu lugar, surge à frente do cavaleiro uma fonte de água límpida e fresca.
O milagre de Alah operara a metamorfose, subtraindo assim a bela Galante aos desmedidos desejos do príncipe.
A partir daí quem passasse pela fonte ouvia o soluçar dolorido da linda moura perseguida, soluços que se confundiam com o melancólico murmúrio da água que corria da nascente.
FONTE:
ORTIGA CONCELHO DE MAÇÃO NO TEMPO E NO ESPAÇO, Leonel Raimundo Mourato, pag. 174
O Outeiro da Mina
Na Ortiga, existe um Outeiro que, diz a sua gente mais idosa, serviria de miradouro ou posto de vigia do Tejo, tanto para montante como para jusante ou, então, tal como rezam as lendas, seria destinado a guardar, no seu interior, riquezas mouriscas.
Uma dessas lendas aponta o Outeiro da Mina como o secreto celeiro dalgum burgo mourisco próximo, dado que em certa altura se fizeram escavações e ali foram encontrados dois grandes potes de barro cheios de milho.
Uma outra lenda diz que, desde o tempo da mourama, existem no interior do Outeiro, dois potes: um contendo uma riqueza incalculável e outro um veneno tenebroso causador de terríveis pestes.
Diz-se, assim, que seria enorme a felicidade daquele que atinasse com o pote do tesouro, mas terrível seria a sorte do povo, se fosse aberto o pote da peste.
Quando, das obras de construção da linha férrea da Beira-Baixa, foi necessário cortar uma aba do Outeiro e, nessa altura, o povo ficou esperançado que pudessem aparecer os lendários potes. Mas nada!
Contam ainda anciões da Ortiga, que ouviam dizer aos seus avós, que este Outeiro ocultava galerias subterrâneas, que teriam sido escavadas para guardarem as riquezas que os árabes da região possuíam, escondendo-as ali quando da sua fuga, esperançados que um dia mais tarde, numa possível reconquista do território, as pudessem recuperar.
É certo que a mourama, expulsa pelos cristãos dos territórios de Portugal e Espanha, deixaram por toda a Península Ibérica muitos dos seus haveres escondidos. Assinalaram os locais com símbolos que só eles entendiam e fizeram listas secretas para os orientarem mais tarde, a eles ou aos seus descendentes, na identificação desses esconderijos.
Algumas dessas listas ainda foram subtraídas aos seus detentores em Granada, na Espanha, mas ninguém as conseguiu decifrar devido à intencional obscuridade das referências.
Quem sabe se o OUTEIRO DA MINA não figuraria nalguma daquelas listas?
FONTE
- ORTIGA CONCELHO DE MAÇÃO NO TEMPO E NO ESPAÇO, Leonel Raimundo Mourato, pág. 179
Mouras com pés-de-cabra
Contam os mais velhos da Queixoperra que, em tempos idos, algumas mouras que vinham às aldeias fiar o linho tinham pés-de-cabra.
Então as mulheres mais avisadas colocavam uma boa dose de farinha no chão para se certificarem se alguma delas deixava pegadas de cabra no solo.
Por outro lado, os rapazes da aldeia da Serra, encantados com a formosura dessas mouras, iam para o pé delas também fiar o linho, mas faziam-no sem jeito o que levava as mouras a cantarolarem:
— O fuso cai e a maçaroca não enche, barbas tem quem o enche.
FONTE
- À Descoberta da Freguesia do Penhascoso – 5.7 Lendas e Superstições, A Lenda das mouras pé de cabra
As pedras da moura
Noutros tempos, havia uma aldeia chamada Nova Chaves para onde alguém levou três pedras de grandes dimensões e, naturalmente, muito pesadas.
Conta a lenda, dizem os mais velhos, que foi uma moura que as trouxe da Portela de Vila de Rei.
E dizem mais: que a moura transportava essas três pedras à cabeça e, ainda-por-cima, trazia um menino ao colo.
Ali deixou ficar as pedras, em Nova Chaves, sem qualquer explicação.
E hoje as três grandes pedras ainda lá se encontram e todos continuam sem perceber como é que uma frágil moura conseguiu suportar tão elevado peso à cabeça.
FONTE:
- Júlia Martins, Chaveira, Lar da Misericórdia de Cardigos
Meu filho é mais belo
Há muitos anos a vida aqui, na região do Mação, era muito difícil. Havia um ou outro ricaço, mas a maior parte do povo era gente muito pobre, que procurava o sustento nos campos.
Então, em dada altura, uma mulher com poucos recursos andava, com um filho de colo, a apanhar bolotas lá para as bandas do Aziral. Quando já tinha a saca quase cheia, desceu até à ribeira e recolheu uma boa porção de amoras e, quando se preparava para regressar a casa reparou numa roupas muito brancas a corar ao sol.
Viu também, junto da roupa, vários fios e pulseiras de ouro e, um pouco mais adiante, deparou com uma bela moura que, sentada sobre uma grande laje, penteava os seus longos cabelos com um pente de ouro.
Feliz, por deparar com tão aprazível encontro, a mulher, dirigindo-se à encantadora moura, perguntou-lhe:
— Porque sois tão bela e tendes a adornar-vos coisas
também muito belas, de fazer inveja?
E a moura respondeu-lhe com uma outra pergunta:
— Então diz-me: o que é mais belo, o teu filho ou o meu pente?
A pobre mulher ficou embaçada, mas logo se recompôs e deu uma resposta convincente:
— O vosso pente é muito bonito; porém, o meu filho é mais belo!
Ao que a moura respondeu:
— Pois seja! Se tivesses dito o contrário, eu oferecia-te o meu pente. Assim, vais pobre na mesma, mas não deves sentir inveja, porque possuis uma coisa mais bela do que as minhas.
A pobre mulher partiu não cabendo em si de felicidade e apertando no peito o seu filho, incomparável a qualquer monte de ouro.
FONTE:
- César di Ambaca, HISTÓRIAS E LENDAS DE CÁ, pág. 28